Adalberto Luque
O motoboy e influenciador digital Alessandro Nunes, de 34 anos, aprendeu a pilotar moto os 16 anos e, desde 2020, ganha a vida como motoboy. Já passou por muitas situações de risco pelas ruas da cidade, o que lhe inspirou a ter um perfil em rede social mostrando suas adversidades.
Nestes tempos de motociclista, sofreu cinco acidentes. O último, ocorrido em abril, foi o pior. “Estava estacionando a moto em uma baia de ônibus. Um motoqueiro veio muito rápido por trás e me acertou em cheio, quebrando a minha moto e a dele”, lembra Nunes.

Além das dores no corpo com a colisão, teve que ficar parado por cinco dias. “Infelizmente cada dia parado faz uma diferença enorme, já que eu dependo exclusivamente da moto”, acrescenta.
O prejuízo financeiro ficou mesmo por conta do veículo. O gasto foi de R$ 2,5 mil, pago pelo outro motociclista. Apesar de tudo, com o quinto acidente não esconde algo que lhe preocupa. “Já pensei em parar com a moto desde meu primeiro acidente.” Não o faz porque aprendeu a tirar o sustento sobre duas rodas.
R$ 261.689 por acidente
Estudo da Polícia Rodoviária Federal (PRF), com análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), observou todos os fatores que geram custos em um acidente. Em 167.247 acidentes de trânsito em rodovias federais brasileiras avaliados pelo estudo, foram registradas 8.233 mortes e 26.182 pessoas sofreram ferimentos graves.
Esse custo foi de R$ 12,8 bilhões para a sociedade, dos quais, 62% estavam associados às vítimas, como cuidados com saúde e perda de produção diante das lesões ou mortes. Outros 37,4% estavam associados aos veículos, como danos materiais, perda de cargas e procedimento de remoção dos veículos sinistrados.

A análise do IPEA leva em consideração aspectos como o impacto sobre a previdência social e sobre a família. Esse cálculo levou em consideração o longo tempo de recuperação da vítima ou, em caso de morte, sua relação à expectativa de vida. Isso respondeu por 41,2% dos custos.
Assim, a pesquisa concluiu que, em média, cada acidente de trânsito custa R$ 261.689 à sociedade. Se o acidente envolveu vítima fatal, o valor pode chegar a R$ 664.821.
Mortes
A cada uma 1 hora, 5 pessoas morrem em acidentes de trânsito nas ruas e avenidas brasileiras. Em Ribeirão Preto, o número é igualmente preocupante.
Balanço divulgado pelo novo painel do Movimento Paulista de Segurança no Trânsito (Infosiga-SP) indica que o trânsito de Ribeirão Preto começou 2025 com 28 mortes, oito a mais que as 20 do primeiro trimestre do ano passado, alta de 40%. Foram dez em março, um a menos que os onze de fevereiro. Em janeiro sete pessoas morreram.
Está 66,67% acima das seis mortes de março de 2024, quatro a mais. Encerrou o ano passado com uma morte a cada 80 horas. Foram 109 em doze meses, 26 a mais que os 83 óbitos de 2023, aumento de 31,33%. A cidade também bateu o recorde histórico de 2022, quando 101 pessoas morreram nas vias do município. São oito a mais, aumento de 7,92%.
Lesões graves na face
Em média, 22,2 mil brasileiros sofrem lesões graves de face todos os anos, provocadas principalmente por acidentes de trânsito. Os dados fazem parte de novo levantamento realizado pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial (CBCTBMF) e encaminhado ao Conselho Federal de Odontologia (CFO), em razão do Maio Amarelo.
A campanha global é destinada a ações de educação, prevenção e combate a acidentes de trânsito, com objetivo principal de reduzir as estatísticas de vítimas.
Dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) apontam que, entre 2018 e 2023, ocorreram 133.687 internações por fraturas de crânio e ossos da face em caráter de urgência, no país. Isso representa mais de 60 brasileiros com rostos fraturados por dia.

Destas vítimas de lesões de face, 81,91% eram homens, com faixa etária predominante entre 20 e 29 anos (30,10%). O presidente do CBCTBMF, Dr. Belmiro Cavalcanti do Egito Vasconcelos, ressalta que as fraturas de face não são apenas lesões físicas, mas também afetam profundamente a autoestima, a funcionalidade e a qualidade de vida dos pacientes. “Precisamos de políticas públicas que priorizem a prevenção, o acesso ao atendimento especializado e a reabilitação adequada”, afirma o cirurgião bucomaxilofacial.
Aumentar percepção de risco
Para o engenheiro Fernando Velázquez, mestre em Engenharia de Transporte e membro do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), as 28 mortes registradas nos três primeiros meses em Ribeirão Preto, de acordo com o Infosiga-SP, é algo significativo. “Não representa apenas uma estatística, mas mais uma vida perdida. Mais uma família que acaba sendo destruída. Tem um impacto social muito grande”, explica.
Velázquez defende não apenas mais fiscalização, mas sobretudo investimento em educação para o trânsito. “Principalmente para que nossas crianças tenham consciência cada vez mais cedo de que faz parte da civilidade das pessoas o comportamento que devem ter com os outros, sejam eles pedestres ou pessoas dentro de um veículo motorizado.”
O especialista aponta que são mais de 1 milhão de mortes no trânsito e, no Brasil, isso passa de 35 mil vítimas fatais todos os anos. “É um problema social e que deve ser encarado com uma política pública essencial para os municípios, extrapolando para o estado e o país, de forma geral”.

Segundo Velázquez, houve grandes evoluções nas últimas décadas, como a concessão das rodovias que trouxeram mais segurança, com sinalização padronizada. “Também a questão do veículo, com muitos avanços, como o [freio] ABS e o airbag, que são obrigatórios de fábrica há mais de 10 anos”, analisa.
O engenheiro acredita que, entre outras coisas, é preciso sobretudo melhorar o fator humano. E as pessoas precisam desenvolver a percepção de risco. “Temos uma percepção de risco para vários fatores, mas não para questões de trânsito.”
Segundo Velázquez, em 73% das cidades brasileiras, o trânsito mata mais que uma arma de fogo. “Ninguém tem medo de andar numa rua que tem alto índice de atropelamento. Mas fica com medo de andar numa rua com alto índice de assalto. Precisamos, aos poucos, trazer essa sensibilidade para a população, para que entenda que é um problema que está presente na nossa vida”, conclui.
Maio Amarelo
Como forma de chamar a atenção da sociedade para o alto índice de mortos e feridos de trânsito em todo o mundo, o Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) criou o movimento Maio Amarelo, em 2014. Instaurado com base em resolução da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o mês de maio foi escolhido por ter sido o período em que a resolução foi publicada.

O período inicial foi definido entre 2011 e 2020 como “Década de Ações para Segurança no Trânsito. Em 2021, a ONU definiu o período entre 2021 e 2030 como a “Segunda década de ações pela Segurança no Trânsito”. RP Mobi e concessionárias que administram rodovias na região estão entre órgãos que realizam ações de conscientização.
8.176 acidentes com vítimas em 17 meses
Um dos principais termômetros da epidemia do trânsito, senão o maior, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) atendeu, entre janeiro de 2024 e a primeira quinzena de maio deste ano 8.176 casos de acidente de trânsito, com pelo menos uma vítima. Ou seja, 16 pessoas, por dia, sofreram ferimentos em acidentes de trânsito, uma pessoa a cada hora e meia. O médico intensivista do SAMU, Leandro Mota, destaca que mais de 90% dos acidentes com vítimas fatais têm a imprudência e o desrespeito às leis de trânsito como grandes causadores.
Explica que os casos de imprudência ocorrem tanto por parte dos motociclistas, quanto de motoristas, ciclistas e até pedestres. Mas os motociclistas acabam levando a pior na maioria dos casos.
“Os acidentes envolvendo motocicletas acabam gerando maior letalidade até do que acidentes envolvendo pedestres, porque os que envolvem pedestres geralmente possuem uma velocidade menor. Já os acidentes envolvendo motocicletas com outros tipos de veículos, como moto e carro, moto e ônibus, moto e caminhão e até mesmo moto contra caçamba, muro ou poste, acabam tendo uma maior velocidade, consequentemente, uma maior cinemática”, observa Mota.

Do total de 8.176 atendimentos em acidentes de trânsito realizados pelo SAMU, 29,3% envolveram motocicletas. Foram 2.396 ocorrências do tipo e que foram atendidas pelas equipes do SAMU.
Os traumas causados por colisões envolvendo motociclistas geram lesões de extrema gravidade. “Nossas viaturas estão preparadas para tentar estabilizar essas vítimas na cena. Entretanto, existem situações que mesmo as nossas UTIs não conseguem estabilizá-los e acabamos tendo o óbito constatado ali no local. São lesões como traumatismo craniano, trauma torácico e trauma abdominal, de uma forma tão grave que acabam ficando incompatíveis com a vida”, lamenta o médico.
Acidentes envolvendo motos também representam casos de maior complexidade clínica, que em boa parte das vezes, resulta em óbito. Mesmo em horário de pico, o SAMU tem um tempo bem reduzido de resposta, isto é, para chegar ao local onde ocorreu o acidente e iniciar o atendimento aos feridos. Além disso as viaturas básicas e avançadas dispõem de equipamentos similares ao de uma sala de urgência de grandes hospitais.
De acordo com Mota, diante da vertente favorável, o crescente número de mortes de motociclistas no trânsito torna a questão ainda mais preocupante. “Mostra que as lesões geradas nestes casos, eram tão graves que se tornaram incompatíveis com a vida ou se tornaram incompatíveis no decorrer das internações”.

O custo dos acidentados é alto para o País como um todo, até porque não se resume apenas ao atendimento do SAMU ou outras viaturas de resgate e ao tratamento hospitalar. De acordo com Mota, a internação pode ser curta ou prolongada e ainda há as sequelas, que afastam as vítimas dos locais de trabalho.
Há casos de amputação e lesões irreversíveis, que acabam impedindo a vítima de seguir uma carreira profissional. Sem contar as mortes, que vão além da perda de um ente querido, passando na maioria das vezes, por desestabilizar financeiramente as famílias.
“Nossa vivência não é apenas com os atendimentos, não é só chegar no local e puncionar uma veia ou administrar um medicamento, ou fazer uma imobilização. Nossa experiência e a nossa vivência vão muito além do que somente atender. Vivenciamos a dor que essas vítimas acabam sofrendo. Vivenciamos a dor que uma família acaba passando com todas as consequências desses acidentes. Por isso valorize sua vida, valorize o seu corpo e sua saúde. Um segundo ou mais que você preste atenção nas sinalizações e nas leis de trânsito não tem preço e pode evitar que você sofra ou cause um acidente”, conclui Mota.

