Rui Flávio Chúfalo Guião
Em 1963, o extraordinário romance de Lampedusa, O Leopardo, ganha versão cinematográfica dirigida por Luchino Visconti, uma obra prima de mais de duas horas de duração. Passada na Sicília de 1860, quando a Itália se unifica, mostra o Conde de Salinas em sua busca de manter seus privilégios numa península assolada por reformas.
O filme é magnífico, ganhou a Palma de Ouro e uma das suas mais belas cenas é o baile oferecido pelo nobre, num salão iluminado por 10.000 velas.Mulheres em longos vestidos clássicos, homens em trajes de gala, todos suando no calor típicoda ilha.
Multiplicam-se os leques e abanos, os participantes procuram o frescor das varandas. Que falta fez ali uma boa instalação de ar condicionado! O ar condicionado faz hoje parte de nossa vida como a televisão, o telefone celular, o computador, aparelhos tão incorporados à nossa rotina, que nem percebemos a sua existência.
Controlar a temperatura do ambiente sempre foi uma preocupação dos homens, que procuravam minimizar o calor através de vários inventos. Quando visitei Dubai, país extremamente quente, onde enfrentei um dia de calor de 50 graus, achei fascinante uma cabana reconstruída no museu da cidade com seu teto de tal maneira erigido que mantém em seu interior uma temperatura oito graus menor do que a externa.
Através de entradas superpostas, o ar de fora é resfriado naturalmente, oferecendo uma sensação de bem estar. Mas, a invenção do ar condicionado como conhecemos hoje deu-se nos Estados Unidos e está ligada às letras. Em 1902, uma grande gráfica de Nova York, enfrentava problemas de qualidade na impressão de livros, devido à umidade provocada pelo calor da cidade. Chamado a corrigir o problema, o jovem de 25 anos, Willis Carrier, engenheiro formado pela Universidade Cornell, monta complicado aparelho que retira a umidade e ao mesmo tempo refrigera o ambiente.
Destinava-se exclusivamente ao uso industrial. Patenteado em 1906, seu uso espalhou-se nas gráficas e foi logo adotado pela indústria têxtil e farmacêutica.Porém, não se cogitava em seu uso para o conforto dos cidadãos.
Em 1914, com a invenção já bastante usada nas indústrias, Carrier instala seu sistema num hospital, onde a refrigeração do ambiente minimiza a constante desidratação das crianças. No verão de 1919, ao perceber a queda de seus frequentadores, o cinema Riviera de Chicago instala o primeiro sistema de ar condicionado, propagando que oferecia ao público uma “fábrica de congelamento”.
Seguem-se várias instalações em outros cinemas e teatros, popularizando a invenção. Nos anos 1920 e 1930, o ar condicionado chega aos escritórios americanos. O Senado, a Câmara dos Deputados e a Casa Branca recebem a inovação, que chega também aos vagões ferroviários.
Nos anos 1940, o ar condicionado chega aos hotéis e na década seguinte, Carrier adapta sua invenção para uso doméstico, que se espalha para todo o país e no exterior.
No Brasil, o ar condicionado chega aos cinemas, teatros e grandes estabelecimentos comerciais do Rio de Janeiro e São Paulo nos mesmos anos 1940. E, em 1960, inicia-se a produção de aparelhos residenciais.
O Aero Willys Itamarati, de 1967, é o primeiro carro nacional a oferecê-lo. Como toda tecnologia, o ar condicionado passa por várias melhoras e aperfeiçoamentos. O velho modelo de janela é substituído pelo sistema split e seus mecanismos de geração do frio também evoluem. Anteriormente visto como um luxo, o ar condicionado hoje é considerado indispensável no comércio, nas indústrias, nas residências, nos transportes, trazendo conforto neste nosso país calorento.
/* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e secretário-geral da Academia Ribeirãopretana de Letras

