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O cheque ainda resiste

Cartões bancários, transferências online, pagamentos por internet banking e PIX: ainda assim o brasileiro emitiu 137 milhões de cheques em 2024

Montante de cheques emitidos superou R$ 523 bilhões em 2024 (Foto: Reprodução/Internet)

Adalberto Luque

Roberto Biagiotti é dono de um depósito de materiais para construção no Santa Cruz do José Jacques, zona Sul de Ribeirão Preto. Comerciante bastante conhecido no bairro, atua há 33 anos no segmento e tem muitos clientes.

Mesmo em tempos onde os cartões bancários e o PIX tornaram o uso do cheque algo cada vez mais raro, ele ainda tem poucos clientes que não abandonaram a prática de pagar suas compras com as folhas do talão.

“São pessoas de mais idade que preferem pagar com cheque ou dinheiro. E pagam toda semana pelas compras que sempre fazem. Nunca deram problemas, são clientes de muito tempo, então não vejo problema aceitar os cheques para saldar suas compras”, explica.

Biagiotti aceita e faz pagamentos em cheques em seu depósito de materiais para construção (Foto: Adalberto Luque)

O próprio Biagiotti ainda usa seu talão de cheques. Ele retira mercadoria de um fornecedor e, em vez de pedir para marcar, prefere preencher a folha de cheque de deixar tudo pago, no ato da compra.

“Isso ajuda meu controle. Além disso, também faço compras de telhas e outros materiais em que prefiro pagar com cheque. É uma forma de documentar o pagamento. Eles aceitam, da mesma forma que aceito em minha empresa”, conclui Biagiotti.

O começo

Na idade média, era comum o depósito em ouro para garantir transações financeiras. Com o tempo, passou-se a emitir papeis que representavam os valores depositados em ouro, que eram repassados aos portadores dos papéis.

Os cheques passaram a ser usados a partir da Holanda, no século XIV. Mas após a criação do Banco da Inglaterra, em 1605, o cheque passou a ter um vertiginoso crescimento em seu uso.

No Brasil, o Banco Comercial da Bahia, em 1845, fez com que o cheque passasse a circular de forma ainda tímida, mas estabeleceu-se legalmente apenas 48 anos depois. Em 150 anos, do surgimento ao declínio, o cheque chegou a ser a grande vedete na economia brasileira.

Com o passar dos anos, foi se aperfeiçoando. Havia o cheque comum, que podia ser sacado na boca do caixa da agência bancária. O cheque cruzado, onde dois traços paralelos, na diagonal, indicavam que podia apenas ser depositado.

Tinha o cheque visado, onde o banco dava a confirmação da existência de fundos para saldá-lo. Muitos imóveis e veículos de luxo eram vendidos apenas se o pagamento fosse feito com cheque administrativo, isto é, onde o cliente da agência repassava o valor e o próprio banco emitia seu cheque para formalizar a negociação.

Mas nenhum tipo de cheque ficou mais popular que o pré-datado. Criado para garantir compras a prazo, sobretudo em tempos de inflação crescente, o instrumento era um acordo entre emissor e quem o recebia, com o compromisso de depositar na data estabelecida.

Contudo, se quem o recebeu descumprisse o acordo, o banco tinha duas opções: compensar o cheque ou devolver por falta de fundos, se fosse o caso. Seu uso ficou tão popular que surgiram os tais “chorãozinhos”, um pedaço de papel impresso com os dizeres: “Depositar a partir de / / “.

“Buscávamos os cheques”

O bancário aposentado José Antônio Copetti trabalhou como caixa de uma agência do Banco do Brasil entre 1984 e 1996. Foi antes de vir para Ribeirão Preto. “Trabalhava em Tupi Paulista. Os depósitos eram diários”, lembra.

Copetti, com o neto João: recolhimento de cheques nos grandes clientes para evitar sobrecarga na abertura das agências (Foto: Arquivo Pessoal)

Copetti se recorda que, naquela época, o volume de cheques depositados por grandes clientes, como supermercados, era enorme. “Nas segundas-feiras ou no pós-feriado, íamos até os maiores clientes da cidade, como supermercados e lojas, buscar os cheques para depositá-los antes da abertura da agência, para não sobrecarregar o atendimento”, recorda.

A compensação de cheques foi um dos fatores que levou Ribeirão Preto a ser conhecida como “Califórnia Brasileira”. Em 1987 o jornalista Augusto Nunes trouxe seu amigo, o também jornalista Ricardo Kotsho, à época do Jornal do Brasil, para conhecer a pujança de Ribeirão Preto.

Reuniram-se com Antônio Vicente Golfeto, diretor do Instituto de Economia da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto. Lá, Kotsho soube que a cidade tinha a quinta maior praça de compensação de cheques do País, com uma enorme movimentação em suas 84 agências.

O declínio

De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), 1995 foi o último ano com uma grande movimentação de cheques, quando foram compensados mais de 3,3 bilhões de cheques no Brasil.

Mas o uso de cheques ainda sobrevive, apesar do grande avanço e opções nos meios digitais, como os “mobile banking” (aplicativos bancários por celular), cartões bancários e o PIX, este criado em 2020.

A grande maioria absoluta dos brasileiros aderiram às várias formas de pagamento. Ainda assim, em 2024 foram usados e compensados 137,6 milhões de folhas de cheque.

Contudo, segundo a Febraban, o número de folhas de cheque compensadas vem caindo ano após ano. Se comparado com 1995, quando começou a série histórica, com 3,3 bilhões de cheques compensados, a queda, em 2024, chegou a 95,87%.

Para chegar a esse número, a Febraban tomou por base o relatório do Serviço de Compensação de Cheques (Compe). E constatou-se que o volume financeiro de cheques compensados também teve queda. O total foi de R$ 523 bilhões, queda de 14,2% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Segundo a Febraban, em 2024 foram emitidas mais de 137 milhões de folhas de cheque no Brasil (Foto: Reprodução/Internet)

“Apesar da crescente digitalização do cliente bancário, o cheque ainda é bastante usado no Brasil. São diversos motivos que ainda fazem este documento de pagamento sobreviver: resistência de alguns clientes com os meios digitais, uso em comércios que não querem oferecer outros meios de pagamento, utilização como caução para uma compra, como opção em localidades com problemas de internet, entre outros”, analisa Walter Faria, diretor-adjunto de Serviços da Febraban, no portal da entidade.

Outra constatação da Febraban foi que o valor médio do cheque subiu, o que leva a crer que a população está usando o meio de pagamento (em desuso para a maioria das pessoas) em transações de maior valor. As de menor valor ficaram com as transferências via PIX.

Emissor de cheques

No início dos anos 1980, ainda morando em São Paulo, o hoje corretor de imóveis Jefferson Fernandes Alonso foi trabalhar no Banco Holandês Unido, setor de Ordem de Pagamento Nacional.

Sua função era preencher dezenas de cheques, todos os dias. “Recebíamos pedidos de emissão de diversos setores do banco, para pagamento de vários prestadores de serviço. Alguns eram para pagar cidadãos holandeses que moravam no Brasil e recebiam dividendos, pensões ou outros benefícios. Passava o dia emitindo cheques”, lembra Alonso.

Alonso passava o dia emitindo folhas de cheque para diversos pagamentos no banco onde trabalhava (Foto: Arquivo Pessoal)

Ele emitia os cheques em uma máquina de datilografar com caracteres especiais. Além do cheque, várias cópias utilizando papel carbono eram feitas na emissão. “Depois pegávamos sempre duas assinaturas: a de um dos principais procuradores do banco e a de outro com poder pouco menor”, revela.

Hoje, longe da Capital, trabalha como corretor de imóveis. “E faz muito tempo que não emito um cheque meu. Acho que desde 2014”, conclui.

Praticidade e segurança

Por mais incrível que possa parecer, o cheque ainda é um instrumento de praticidade e segurança. Em alugueis de carros ou imóveis, por exemplo, é usado como caução, isto é, para garantir a reserva e, em caso de prejuízos ao locador, é autorizado seu depósito.

Em locais onde existem problemas nos sinais de internet, também é bem-vindo, porque precisa apenas de uma caneta e fundos na conta corrente. Por último, mas não menos importante: o cheque também é seguro para quem o emite e carrega.

Em tempos de furtos ou roubos de celulares, muitos clientes acabam tendo suas contas saqueadas, caso o criminoso consiga desbloquear o aparelho. Com o cheque, isso não é possível. Até pelo processo de compensação. Em caso de furto, roubo ou extravio, o cliente sustar o cheque.

Uso esporádico

Analista de setor administrativo, Josélia Joaquim Carvalho ainda utiliza folhas de cheque. “Algumas vezes, para não usar o limite do cartão de crédito. Me sinto segura, ainda não tive problemas”, explica.

Apesar de não usar com tanta frequência, Josélia admite que passa cheques em casos de parcelamento. “Faço pacote de um ano na academia de hidroginástica e deixo 11 cheques. A primeira pago no débito, com cartão”, acrescenta.

Josélia administra o limite do cartão de crédito e paga academia de hidroginástica usando cheques (Foto: Arquivo Pessoal)

Ela já teve, todavia, um prestador de serviço recusando seus cheques. O homem, que reformou o sofá da analista administrativo, disse que não trabalhava mais com cheques. Teve que escolher outra forma de pagamento.

Em norma recente, o Ministério da Justiça esclareceu que a aceitação de cheque não é mais obrigatória. A única forma de aceitação obrigatória é a moeda nacional. Contudo, se o comerciante aceitar o cheque, não pode impor exigências, como juros, tempo mínimo de abertura da conta ou idade do correntista.

O cheque, por mais que tenha caído em desuso, ainda sobrevive. Cada um tem lá suas histórias, mas o cheque que nem os mais saudosos da forma de pagamento gostam de recordar, todavia, é o cheque sem fundo. Dessa modalidade, todos querem distância.

 

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