Tribuna Ribeirão
Artigos

O cronista

Antonio Carlos A. Gama *
[email protected]

Ele não é cronista por ofício, dever ou por dinheiro. Escreve por temperamento, para temperar-se, e livrar-se. Porque tem muito o que fazer, e não tem nada para fazer.

Rabisca uma palavra e lhe junta outra e mais outra. Quando se dá conta, a crônica está pronta.

O cronista não é um observador que está sempre atento às coisas ou à vida. A vida e as coisas é que estão atentas nele.

De manhã, acorda ouvindo um passarinho lhe dizer que bem o viu e se levanta contente ao se saber bem visto por alguém.

Abre a janela e também o vê, empoleirado logo ali, no fio.

É um passarinho grande, emplumado, de peito amarelo (como a borboleta amarela de Rubem Braga), e o cronista vai atrás dele, porque não está atrás de coisa nenhuma.

Todos os países tiveram e têm cronistas, mas entre nós o cronista nasce como a batatinha que se esparrama pelo chão, enquanto a menina dorme com a mão no coração.

O cronista está sempre com a mão no coração. E se derrama por todas as mulheres, porque todas as mulheres são uma.

Ele gosta de receber cartas em envelopes manuscritos, mas não os abre, nem lê as cartas. Porque sente, ou sabe, que o bom é o mistério das cartas não lidas. As cartas que permanecem para sempre na posta restante, insubstanciais e expectantes.

Quando o telefone toca, ele não atende. O cronista comunica se com todos comunicando-se consigo mesmo. Não pensem, porém, que ele é egoísta. Ele é generoso e costuma dar o que não tem.

É um homem sem convicção, porque tem todas. Não sobe e não desce escadas. Senta-se num degrau. A verticalidade é para os outros, ele prefere a sinuosidade. Afinal a vida é muito interessante, quando não tem interesse algum. Ou quando os acontecimentos que deviam acontecer não acontecem. O que poderia ter sido, e que não foi.

Se a garrucha nega fogo, a bala não sai do cano, ou sai pela culatra. Quando o cronista nega fogo, pode acertar bem no meio do alvo.

Mas hoje tenho pressa, porque não vou a lugar nenhum. Fico por aqui mesmo. Mas vocês, caros leitores, não vão me achar. A minha melhor viagem é quando permaneço em mim. Então eu abro uma porta que não há e saio para um lugar que não existe.

* Promotor de Justiça aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

Postagens relacionadas

“Essa gente”, de Chico Buarque e as tensões atuais do Brasil

Redação 1

Fui a um show e furtaram meu celular. De quem é a culpa?

Redação 1

Blindagem e muita mentira na CPI da Covid

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com