Tribuna Ribeirão
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O desenvolvimento das vacinas 

José Moacir Marin *

José Moacir Marin, professor aposentado de Genética e Biologia Molecular da USP/ Campus Ribeirão Preto. 

Um dos capítulos mais brilhantes da história da ciência é o impacto das vacinas na saúde humana. História que se inicia no século XVIII e prossegue até os dias atuais. Neste sentido, um grande avanço foi obtido a partir da metade do século XX por intermédio da imunologia que estuda o complexo mecanismo de apresentação de antígenos ao corpo humano e a correspondente produção de anticorpos para combater estes antígenos.

No desenvolvimento de vacinas, várias metodologias foram utilizadas como a atenuação de bactérias e vírus através da passagem em animais ou em meios de cultura, o método de inativação celular bacteriano por morte por calor ou tratamento químico e a utilização de pedaços de proteínas das capsulas virais como o componente das vacinas.

O aspecto fundamental para todo este desenvolvimento foi a utilização de culturas de células in vitro (fora do hospedeiro), inicialmente utilizando cultura de células de camundongo e macaco, entre outros, e evoluindo para a utilização de linhagens de células humanas, as quais permitiam a replicação in vitro de partículas virais. Esta metodologia foi utilizada no desenvolvimento das vacinas da pólio, sarampo, rubéola, caxumba, e catapora, as quais sempre forneceram proteção de longa duração contra estas doenças infecciosas.

A aprovação de um composto para ser utilizado como vacina obedece a uma série de protocolos envolvendo a fase pré-clínica e a fase clínica. A pré-clínica envolve o ensaio deste candidato a vacina em modelos animais, geralmente camundongos e macacos infectados com determinado patógeno para avaliar a ação da vacina/candidato sobre o patógeno em relação a indução de produção de anticorpos específicos contra aquele patógeno, e a toxicidade daquela vacina/candidato e os possíveis eventos adversos que ela pode produzir. E seguida vem a fase clínica distribuída em fases 1,2,3 e 4. A fase 1 é conduzida em um pequeno grupo de pessoas principalmente para determinar a segurança e a farmacocinética da vacina. Na fase 2 aumenta-se ligeiramente o número de pessoas testadas. Na fase 3 utiliza-se um número maior de pessoas para avaliar a eficácia e a segurança da vacina. Estes estudos são conduzidos com um comparativo com grupo placebo. A fase 4 é conduzida depois da aprovação da vacina para verificar os seus efeitos adversos de longo prazo, sendo todas estas fases realizadas antes do lançamento comercial da vacina. Tradicionalmente este era o caminho percorrido com duração de 10 a 15 anos.

Nas décadas de 1980/1990 foram iniciados os trabalhos envolvendo a manipulação de ácidos nucleicos (Ácidodesoxirribonucleico/DNA e ácido ribonucleico/RNA) que são as estruturas responsáveis pelas informações genéticas dos organismos. Diversos nomes foram utilizados, Engenharia Genética, Tecnologia do DNA recombinante, entre outros, sempre envolvendo a utilização de genes (estruturas básicas do DNA) provenientes de um organismo sendo manipulados e introduzidos para exercer o seu efeito em outro organismo.  O objetivo destes estudos era desenvolver a terapia gênica para a correção de doenças humanas raras.

A primeira introdução de um mRNA (RNA mensageiro, molécula intermediária na síntese proteica) ocorreu em 1990 em experimento com um camundongo que recebeu um mRNA e produziu em seu organismo a correspondente proteína. Ao transitar dentro da célula o mRNA recebe alterações, produzindo uma proteína totalmente funcional, sendo que o mesmo processo ocorre no corpo humano.

Após a SARS (SevereAcuteRespiratorySyndrome) em 2002, chegou a ser analisada a utilização de partes das proteínas do envelope e da membrana do SARS-CoV como possíveis antígenos a serem utilizados em uma vacina. Já nesta época também era conhecido o papel da proteína spike como a principal arma de ataque do vírus devido a sua grande antigenicidade e sua capacidade de produzir inflamações nos tecidos e alterações no sistema sanguíneo humano.

Com o advento da COVID 19 e a identificação do Coronavirus SARS-CoV2 como seu agente infeccioso, uma série de fatos inexplicáveis ocorreram. Primeiro, o conceito de vacina foi alterado, assim aquilo que era denominado terapia gênica passou a ser incluído no conceito de vacina. Segundo, as duas vacinas de mRNA autorizadas, a Spikevax (Moderna) e a Comirnaty (Pfizer/BioNTech) escolheram utilizar a proteínaspike como antígeno nas suas vacinas, assim o mRNA-spike utilizou a informação completa da moléculaproteínaspike totalmente funcional (isto é capaz de produzir in vivo muitas cópias da proteínaspike) e aperfeiçoada (com maior estabilidade do mRNA-spike, bem como a sua humanização, para não ser destruída pelo sistema de defesa celular). Terceiro, o tempo de aprovação das vacinas, sendo a vacina da Pfizer/BioNTech aprovada em 7 meses com apenas 2 meses de ensaio clínico e a Moderna utilizando 3 meses para o ensaio clínico.

A liberação das vacinas se baseou no “Ëmergency Use Authorization” aprovado nos Estados Unidos em dezembro de 2020. As consequências de tais atos ainda estão sendo avaliadas.

* Professor aposentado de Genética e Biologia Molecular da USP/ Campus Ribeirão Preto. 

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