Não se constrói uma Nação usando a segregação social como política permanente de exclusão. Às vezes um acalento, mesmo que seja desprovido de sinceridade, deixa o ser humano em êxtase, principalmente se vem de um “doutor”, é como os pobres chamam todos àqueles que andam engravatados, com um ar de autoridade, mesmo sem ter nenhuma. E assim se conformam com a sua situação de miserabilidade. No século passado algumas músicas populares faziam exaltação à miséria, um exemplo disso é a música “Ave Maria do Morro”, composta pelo grande Herivelto Martins, que nos versos iniciais exalta a miséria existente nos morros cariocas. “Barracão de zinco sem telhado, sem pintura lá no morro, barracão é bangalô (…)” – fez um grande sucesso na época, e até hoje é exaltada.
Que os miseráveis cuidem da sua miséria é a máxima das políticas de exclusão que se perpetuaram ao longo do tempo no Brasil. A exclusão social se aprofundou após a farsa da “Libertação dos Escravos”, que foram jogados ao léu abandonados a sua própria sorte. É sabido que o controle da população recém libertada (ex-escravizados) e dos pobres “livres” era feito com o uso da força policial, com leis rigorosas contra estes grupos. Os ex-escravos estavam livres dos açoites e da senzala, mas excluídos da sociedade, e presos à miséria das favelas, e vilipendiados o tempo todo pelas forças policiais.
Chegamos ao século 21, e as mesmas agruras que pretos e pobres sofriam no passado permanecem quase intactas no presente. O Brasil é signatário de vários acordos internacionais, que tratam da proteção à dignidade humana, e são leis que têm que ser cumpridas, pois o não cumprimento pode gerar sanções internacionais. No entanto os braços dos direitos humanos não conseguem alcançar estas populações. A frase “ERRADICAR A POBREZA NO BRASIL” é parte integrante da Constituição Federal, e da Carta da Terra, são documentos que protegem a dignidade humana, mas a realidade contrasta com as leis.
As leis no Brasil têm pouco ou quase nenhum efeito na vida dos pobres. O caput do artigo 5º da Constituição brasileira afirma: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, mas em letras invisíveis a olho nu está escrito: “excetuando os mais iguais”, e o cotidiano mostra essa realidade. Como podemos falar em dignidade humana, quando as populações pobres não são atendidas dignamente, pois não há saneamento básico, saúde e educação de qualidade, e ainda são criminalizadas pela sua pobreza. É a democracia relativa, que funciona de acordo com o local onde se vive.
O simples fato de se nascer ou viver em uma favela ou comunidade pobre, já exclui os direitos fundamentais da pessoa humana, tais como: “De ser reconhecido como pessoa perante a lei, direito a vida, a liberdade e a segurança pessoal, não ser submetido à tortura, nem preso arbitrariamente, e da inviolabilidade da sua casa. Entretanto, a violência das operações policiais nestas comunidades deixa claro que o caput do artigo 5° não é para essa gente.
A maioria das favelas está localizada em áreas não legalizadas, e por conta disso moram, mas não residem, e esse pequeno detalhe abre o caminho das arbitrariedades. Como essa população mora, mas não reside, estão sujeitas as autoridades, cometidas por agentes do Estado, que reviram suas casas, e atiram em pessoas rendidas e desarmadas, sem a menor cerimônia, agindo como se estivessem numa guerra em campo aberto, sem o mínimo respeito às leis. Não se erradica a pobreza exterminando os pobres, como tem sido as políticas públicas de segurança – “tiro, porrada e bomba”!
As arbitrariedades cometidas contra as populações pobres no Brasil, de maioria negra chegaram ao limite da barbárie. O Congresso Nacional, que se diz representante do povo, deveria parar de legislar em causa própria, e passar a cumprir o seu dever constitucional, e defender o povo que mantém os seus privilégios. “O dia em que o morro descer e não for carnaval, ninguém vai ficar pra assistir o desfile final…”.

