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O horror do estupro

Com 26 casos registrados em julho, de acordo com a SSP, os estupros tiveram número recorde na série histórica, apurada desde janeiro de 2001

O número de 26 casos registrados em julho é o maior da série histórica apurada pela SSP desde janeiro de 2001 (Foto: Reprodução)

Por Adalberto Luque

Ribeirão Preto registrou um estupro a cada 28 horas e meia, no mês de julho de 2025. O número foi divulgado pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) em suas estatísticas mensais, no final do mês de agosto: 26 casos de estupro.

No ano, foram 114 vítimas de estupro, das quais, 84 eram vulneráveis, 73,68% do total de casos. Apesar de apresentar tendências de alta nos últimos anos, os crimes de violência sexual só haviam registrado um número tão alto em dezembro de 2017, na série histórica que constam dados sobre criminalidade desde janeiro de 2001.

Mas os casos tiveram crescimento exponencial a partir da pandemia, com o isolamento social. Chegaram ao patamar mais alto em 2023, quando a SSP registrou 192 casos, superando os 141 ocorridos em 2022 em 36,17%.

Contudo, especialistas admitem que o número de casos é subnotificado. Sejam notificações do setor de saúde, sejam da segurança, os casos notificados podem estar bem abaixo da realidade.

Ribeirão Preto registrou um estupro a cada 28 horas e meia (Foto: Getty Imagens)

Muitas das vítimas têm medo de denunciar o agressor. Outras sequer sabem que foram vítimas de algum crime. Medo, culpa, insegurança são sentimentos que impedem, muitas vezes, a denúncia.

Difíceis de prevenir

Apesar de subnotificados, os 26 casos expõem a fragilidade desta questão. Por vezes são crimes difíceis de prevenir. Em outros casos, existe dependência emocional e financeira da vítima em relação ao agressor.

A ideia de estupro estar ligado a um desconhecido abusando da vítima em local ermo, muito comum na percepção da população, não é, todavia, maioria. Aliás, é minoria. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, nos casos de vítimas com até 13 anos, 59,5% dos casos são cometidos por um familiar e, em 67,9% dos casos é cometido na própria residência.

73,68% das vítimas de estupro são vulneráveis e o crime ocorre, quase sempre, em casa e cometido por alguém muito próximo, como pai, padrasto, avô, tio ou irmão (Foto: Reprodução)

No caso de vítimas com mais de 14 anos, 65,7% são cometidos em casa e, em 37,2% dos casos, o autor é o companheiro ou ex-companheiro. Em 21,7% dos casos, o agressor é desconhecido e 13,2% dos estupros ocorrem em via pública.

Classe social

O estupro não é, necessariamente, algo que seja cometido nas classes sociais menos abastadas financeiramente. Ao contrário, não tem distinção. Contudo, em Ribeirão Preto, é possível traçar um perfil por região.

Com base nos dados divulgados pela SSP relativos a julho de 2025, o local de maior incidência foi a área do 2º Distrito Policial (DP), na região dos Campos Elíseos com 8 ocorrências, seguido por 3º DP, na região da Vila Tibério, com 6 casos. O 4º DP, da zona Sul de Ribeirão Preto, foi o que menos casos teve: apenas 1 estupro.

No ano, todavia, a segunda posição muda. O 2º DP segue com mais registros: foram 25 estupros em sua área. Depois aparece o 5º DP, do Ipiranga e parte da zona Norte, com 23 casos. De janeiro a julho de 2025, o local que menos casos registrou foi o 7º DP, de Bonfim Paulista, com 5 ocorrências.

Estupro no Brasil

Em 2024, o Brasil registrou o maior número de estupros e estupros de vulnerável da série histórica iniciada em 2011. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, foram 87.545 vítimas, mais que o dobro de pouco mais de uma década atrás. O crescimento atinge diferentes crimes sexuais, como pornografia, que subiu 13,1%, além de estupro, estupro de vulnerável, assédio e importunação sexual. Apenas tentativa de estupro, exploração sexual e algumas variações de estupro de vulnerável tiveram queda.

Com 26 casos registrados em julho, Ribeirão Preto ostenta o recorde negativo, superando a marca anterior, anotada em dezembro de 2017 (Foto: Reprodução)

A definição legal foi ampliada em 2009, ao incluir “ato libidinoso” quando praticado com violência ou ameaça. Em 2024, foram 20.350 registros, taxa de 9,6 por 100 mil habitantes, alta de 0,8% sobre 2023. O estupro de vulnerável alcançou 67.204 registros, taxa de 31,6 por 100 mil, aumento de 1%. Somados, resultaram em 41,2 casos por 100 mil habitantes.

Do total, 76,8% das vítimas eram vulneráveis, em maioria crianças e adolescentes. O anuário ressalta a subnotificação, que pode tornar os números ainda maiores. Quanto ao perfil, 7,5% das vítimas de estupro e 13,8% de estupro de vulnerável eram homens. Entre mulheres, a taxa foi 1,8 vez superior. Quase 56 mil meninas foram vítimas contra pouco mais de 11 mil meninos, numa proporção de cinco para um.

A idade evidencia a gravidade: 61,3% tinham até 13 anos, mais de 51 mil crianças. Entre meninas, 33,9% estavam entre 10 e 13 anos. Entre meninos, a maior concentração foi entre 5 e 9 anos. Nos adolescentes de 14 a 17 anos, a proporção foi de 16,3%. Após os 18, os casos masculinos quase desaparecem, mas entre mulheres ainda representaram 22,3%. Sobre raça/cor, 55,6% eram negras, 43,1% brancas, 0,9% indígenas e 0,4% amarelas; 30,7% dos boletins não informaram.

A residência concentrou 65,7% dos registros, chegando a 67,9% nos estupros de vulnerável. A via pública respondeu por 13,2%. Entre vítimas menores de 14 anos, familiares foram autores em 59,5% dos casos, conhecidos em 24,4% e desconhecidos em 16,1%. Entre maiores de 14, companheiros (26,7%), familiares (26,6%), ex-companheiros (10,5%) e desconhecidos (21,7%) lideraram.

No recorte estadual, 16 unidades superaram a média nacional. Roraima (137,0 por 100 mil), Acre (112,5) e Rondônia (99,5) tiveram as maiores taxas, enquanto Ceará (22,0), Minas Gerais (26,5) e Paraíba (27,4) ficaram entre as menores. Minas Gerais teve o quarto maior número absoluto, 5.642 casos. A Paraíba apresentou aumento de 94,4% sobre 2023, o maior do país. Entre mulheres, Roraima (240,3), Acre (196,0) e Amapá (178,2) lideraram.

No estupro de vulnerável, as taxas variaram de 18,1 no Distrito Federal a 110,2 em Roraima. Entre mulheres, de 6,4 no Mato Grosso a 191,8 em Roraima. São Paulo, Paraná e Pará concentraram mais de um terço dos registros absolutos. A Paraíba voltou a se destacar, com altas acima de 100%.

Foram registradas 5.176 tentativas de estupro, taxa de 2,9 por 100 mil, queda de 3,9% em relação a 2023. O número foi 17 vezes menor que os casos consumados. Roraima (9,2), Amapá (8,5) e Maranhão (7,2) tiveram as maiores taxas. Minas Gerais, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo ficaram entre as menores. São Paulo concentrou a maior quantidade de registros em seis das sete modalidades analisadas, incluindo estupro de vulnerável de vítimas do sexo feminino, com 18,7% do total. Apenas nas tentativas houve queda expressiva, de 24,9%.

Segundo o anuário, a violência sexual atinge sobretudo crianças e adolescentes, principalmente meninas, dentro de casa e em grande parte por pessoas conhecidas. O documento aponta a necessidade de políticas públicas, educação preventiva, investigações qualificadas e responsabilização dos agressores. Afinal, o inimigo é íntimo.

Incentivo à denúncia

A Secretaria da Segurança Pública informou que acompanha permanentemente a variação dos indicadores criminais e mantém esforços concentrados para combater todas as modalidades criminosas em Ribeirão Preto, incluindo os casos de estupro, que muitas vezes ocorrem em um dinâmica familiar que dificulta tanto a prevenção policial quanto a denúncia por parte das vítimas.

“Por isso, a pasta tem ampliado campanhas de incentivo à denúncia e canais de comunicação para acolhimento. São Paulo possui a maior rede de combate à violência contra a mulher do país, com 142 Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) e 170 Salas DDMs instaladas em plantões policiais — 15 delas na região de Ribeirão Preto — garantindo atendimento especializado 24 horas por dia”, contempla a SSP.

SSP conta com 142 DDMs, 170 salas DDMs instaladas em plantões (15 das quais na região de Ribeirão Preto), além de aplicativo SP Mulher Segura com botão de pânico, Cabine Lilás, movimento SP Por Todas e Protocolo Não se Cale (Foto: Reprodução)

A Secretaria explica que as vítimas também podem registrar casos pela DDM Online. O registro é fundamental para quebrar o ciclo da violência, garantir proteção imediata e possibilitar a responsabilização do agressor.

“Tecnologias como a Cabine Lilás, para acolhimento exclusivo, e o aplicativo SP Mulher Segura, com botão de pânico para pedidos de ajuda, somadas ao movimento SP Por Todas e ao Protocolo Não se Cale, que capacita profissionais de bares, restaurantes e casas de eventos com diretrizes claras de acolhimento e suporte a vítimas de assédio, assegurando um atendimento ágil, seguro e eficiente, também fortalecem a rede de proteção às mulheres”, indica.

A SSP também faz uma observação: “todos os serviços voltados às mulheres estão disponíveis no site www.spportodas.sp.gov.br.”

Porta de entrada

Em Ribeirão Preto, uma ampla rede de apoio acolhe vítimas de violência sexual. De acordo com a enfermeira do Departamento de Vigilância Epidemiológica, Daniela Borges Bittar, o atendimento pode ser buscado em hospitais, Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e em todo serviço de saúde.

A Vigilância Epidemiológica, ligada à Secretaria Municipal da Saúde, é responsável por notificar os casos ao Ministério da Saúde. “O setor de saúde tem obrigação de notificar”, afirma Daniela. Todos os episódios de violência interpessoal são registrados, não apenas os de violência sexual. “Nossos números vão divergir dos da Segurança. Em 2025, analisando por sexo e ano de notificação, tivemos 139 vítimas notificadas, sendo 113 mulheres e 26 homens”, acrescenta.

Enquanto a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) atende casos de violência contra homens apenas até os 14 anos, a Secretaria da Saúde registra todos os casos, independentemente de idade e sexo.

Daniela explica que UBSs e UPAs seguem três passos no atendimento. O primeiro é a escuta qualificada, criando vínculo e evitando revitimização. O segundo é a avaliação global, com exames físicos, identificação de lesões e análise de sequelas psicológicas. No terceiro, é traçado um plano de cuidados. “Atendemos casos notificáveis e suspeitos, mesmo sem confirmação. Se alguém procura o sistema, é porque algo aconteceu”, destaca.

Segundo Daniela Bittar, da Vigilância Epidemiológica, UBSs e UPAs seguem três passos no atendimento: escuta qualificada, avaliação global e plano de cuidados (Foto: Alfredo Risk)

Após esse processo, a vítima é escutada, examinada e recebe curativos. Se o ataque ocorreu até cinco dias antes, é encaminhada ao Hospital das Clínicas – Unidade de Emergência (HC-UE), onde recebe tratamento contra doenças sexualmente transmissíveis e é direcionada para registrar o Boletim de Ocorrência (B.O.) na DDM. Quando a violência ocorreu há mais de cinco dias, o atendimento pode ser feito em UPA, UBS ou outra unidade, e, se necessário, encaminhado ao SEAVIDAS, serviço especializado do HC de Ribeirão Preto (leia box nesta reportagem).

Nos casos em que a vítima permanece na cena da violência, sobretudo mulheres em relações estáveis com o agressor, assistentes sociais e equipes de UBS acompanham com consultas periódicas e, se preciso, visitas domiciliares discretas para não gerar conflitos. Para situações de negligência, o Conselho Tutelar é acionado e, em casos de vulnerabilidade, a vítima pode ser retirada do convívio com o agressor ou com quem falhou nos cuidados.

Daniela reforça que a rede de proteção envolve também Judiciário, Ministério Público, duas Varas de Violência Doméstica, promotores especializados, Guarda Civil Metropolitana (telefone 153) e Polícia Militar (190), ambas chegando rapidamente ao local da ocorrência. “Toda violência, seja física, psicológica, assédio, estupro ou outra, deve ser denunciada. As unidades de saúde estão à disposição das vítimas. Busque acolhimento onde se sentir melhor. E a denúncia deve ser feita, inclusive online, no site da Secretaria Municipal da Saúde. Mas sempre notificar essa violência”, conclui.

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