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O nosso caso está na hora de acabar

Foto: Arquivo

Um dos maiores expoentes do cenário musical nacional foi Dolores Duran. Nascida Adiléia Silva da Rocha, sempre teve medo da morte, então resolveu viver intensamente. Instrumentista, cantora e compositora colecionou amores e fama. Considerada um fenômeno, alcançou grande sucesso nas emissoras de rádio brasileiras e realizou festejadas turnês internacionais. Faleceu em 24 de outubro de 1959 com apenas 29 anos. Autodidata, interpretou canções em inglês, italiano, francês, espanhol e até em esperanto, muitas continuam figu­rando nas playlists dos admiradores da música de qualidade.

Dolores Duran também foi vítima do racismo e do pre­conceito. Uma das histórias interessantes ocorreu quando cantava no Little Club – famoso bar em Copacabana – e um assíduo frequentador pedia um sanduíche para viagem, mas fazia questão que o garçom levasse até o carro, para não sair com o pacote na mão. Também não conversava com a cantora e sempre dizia ao rapaz “Manda a negrinha cantar…”.

Ao relatar o fato ao seu parceiro Aldir Blanc surgiu a música “A Banca do Distinto” que diz: “Não fala com pobre, não dá mão a preto. Não carrega embrulho. Pra que tanta pose, doutor. Pra que esse orgulho.A vaidade é assim, põe o bobo no alto e retira a escada. Mas fica por perto esperando sentada. Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão”.

A composição foi regravada por Elis Regina, Leila Pinhei­ro, Teresa Cristina, Joana, Dóris Monteiro, Isaurinha Garcia, Elza Soares, entre outros e certamente poderia ser cantada para muitas pessoas que continuam com suas ideias e práticas discriminatórias. Servem, ainda, para os que se inebriam das vantagens, pompas e circunstâncias que envolvem o transitó­rio exercício do poder.

Considerando que o fato mais relevante da semana foi a conclusão dos trabalhos da CPI da Pandemia no Senado Federal, após quase seis meses de investigações, interroga­tórios e debates e, seguindo no exercício de trazer temas musicais para as reflexões cotidianas, creio que muitos já juntaram três títulos de canções interpretadas por Dolores Duran: “Por Causa de Você” e suas “Ideais Erradas”, esta­mos recebendo “Castigo”.

Essa é a conclusão do relatório que indicou o indiciamen­to de 69 pessoas e duas empresas, atribuindo ao presidente da república os crimes de prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preven­tivas;emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crimes de responsa­bilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo) e crimes contra a huma­nidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos).

Ao final das 1.180 páginas os parlamentares propõem que, além do indiciamento dos responsáveis e da punição das condutas ilícitas, seja desenvolvida uma pauta positiva que vai desde o aperfeiçoamento da legislação para, no futuro, se evitar a repetição dos equívocos até a óbvia garantia de que a ciência seja a norteadora das políticas governamentais de saú­de. A expectativa é que sejam apresentadas algumas emendas.

Recorrer às canções para amenizar as amarguras da rea­lidade política é uma boa medida e parece que, até mesmo os militantes mais fervorosos já começam a cantarolar outro grande sucesso de Dolores Duran: “Fim de Caso”. “Eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabar, há um adeus em cada gesto em cada olhar mas nós não temos é coragem de falar”.

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