Tribuna Ribeirão
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Opinião ou inclinação

Antonio Carlos A. Gama *

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A opinião ou a inclinação da maioria dos eleitores do meu município e região elegeram-me deputado federal. 

Durante alguns dias de minha permanência na minha cidade, antes de seguir para a capital, fui cumprimentado, festejado e solicitado para empregos e projetos, e o Prefeito Municipal não me largava, reivindicando para o Município o meu empenho para verbas e melhoramentos.

Trancei ainda pelas cidades de minha base eleitoral, e afinal, com a minha bagagem, viajei para a capital, onde tomaria posse do meu cargo. 

Durante os primeiros meses de legislatura, mais escutei do que falei, seguindo o conselho de um dos próceres do meu partido, e segundo o qual, o cochicho é mais eficaz que o discurso.

Advogado há anos, eu estava habituado não só às leis, mas às controvérsias e debates. E fui-me enfronhando de tudo, dos costumes e dos ritos, conhecendo outros membros da Câmara de Deputados, funcionários, cuidando para não infringir nenhum ritual, antes sendo solícito e amável com todos.

Por fim chegou o dia, em que subi à tribuna, para o meu primeiro discurso:

“Excelentíssimo Senhor Presidente desta Casa; nobres deputados, senhores e senhoras…

” 

Durante meia hora, discorri sobre as agruras pelas quais passava o país, as necessidades dos mais pobres, a conveniência da pacificação geral dos ânimos, com o fito de se reerguer a economia abalada etc. etc. Palmas, o orador foi vivamente aplaudido e cumprimentado.

Fui verificando que os trabalhos da Câmara não passavam de uma rotina implacável, com as reuniões das bancadas e as sessões das diversas comissões, as intrigas pontuais, as anedotas e a hostilidade gratuita de alguns para com outros ou a inveja pelos brilharecos, as disputas por cargos e nomeações. 

Minha correspondência era enorme, mas eu não deixava de responder a nenhuma carta ou telegrama. Para isso serviam os meus assessores.

Já pouco tinha tempo de ler os meus livros e fazer a minha literatura. Eram os jantares, o convívio nos restaurantes e nos bares, as viagens.

Um dia, o Ministro da Justiça, que era o intérprete do Presidente e geria os negócios da política, convidou o líder da minha bancada para ir falar com ele.

E sugeriu-lhe que me levasse em sua companhia, porque eu ia despontando como hábil intermediário entre os meus pares. 

Fomos recebidos no Ministério e logo ele nos levou para conhecer e falar com o Presidente. Era o caso de um projeto, de que o governo tinha muito interesse em ser aprovado, mas suscitava desconfiança e até desaprovação, inclusive entre os partidários da situação.

O líder da minha bancada, às insinuações e rogos sobre o projeto em questão, dizia sim e não, tentando não se comprometer irrevogavelmente.

― E o senhor, Deputado Felipe Magalhães de Mello?

Respondi que seria preciso estudar o projeto, sem preconceitos, atento ao seu objetivo e implicações. Isso, eu faria.

Já havia aprendido que a política é um negaceio, um tome lá e dê cá.

No saguão, encontramos com os jornalistas e repórteres que nos aguardavam, e espocaram alguns flashes das máquinas fotográficas. Que é que os senhores conversaram?

É o caso do tal projeto? Que posição assumiram?

O líder da minha bancada, secundado por mim, respondeu que a conversa que havíamos tido com o Presidente e com o seu Ministro fora amistosa, e que não tínhamos autorização para divulgar os seus termos.

As perguntas deveriam ser dirigidas ao próprio Presidente ou ao seu Ministro da Justiça.

Entre os jornalistas estava Vera Alenquer, que tinha uma coluna diária num jornal de boa circulação, comandava um programa televisivo semanal de entrevista e era em geral hostil aos políticos. Ela me olhou zombeteiramente, e mostrou-me os seus dentes, muito brancos, prontos para morder.

Dirigi-me a ela:

― A senhora, jornalista Vera Alenquer, sabe o que não quer, mas parece-me que não sabe o que quer…

― E o senhor, Deputado, sabe? – ela retrucou.

À noite, no meu apartamento, refleti sobre isso e me indaguei se saberia o que queria, se o que não queria também era duvidoso? 

São as circunstâncias que dispõem de todos nós, e temos um encontro marcado com o que não sabemos.

* Promotor de Justiça, aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

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