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Os avanços e desafios do Estatuto da Criança e do Adolescente

Após 35 de sua promulgação os desafios para sua plena implementação ainda são significativos (Reprodução)

Por Adriana Cristofoli

 

Em 13 de julho de 1990, o Brasil dava um passo histórico na garantia dos direitos de sua população infantojuvenil com a promulgação da Lei nº 8.069, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Inspirado pela Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, o ECA representa um marco legal que reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, com prioridade absoluta na formulação e execução de políticas públicas.

O Estatuto estabelece princípios fundamentais como a proteção integral, a prioridade absoluta, o melhor interesse da criança e do adolescente e a participação cidadã. Garante ainda direitos à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, ao lazer, à profissionalização, entre outros.

Para conselheira tutelar, Patiana Neri, em Ribeirão Preto os desafios são urgentes e crianças e adolescentes ainda não são prioridade absoluta nas políticas públicas (Arquivo Pessoal)

A conselheira tutelar Patiana Nery, afirma que a legislação foi construída a muitas mãos, com participação ativa de crianças e adolescentes que se organizaram para dizer que não aceitavam mais ser tratados como casos de polícia, mas como sujeitos com direitos. “Dessa luta coletiva, nasceu uma das legislações mais completas do mundo no que diz respeito à proteção integral da infância e da adolescência”, destaca.

Luciana Paschoalin, assistente social, diretora de operações do Observatório do Livro e da Leitura e Presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) lembra também que o ECA estabelece mecanismos de proteção e gestão da garantia de direitos como é o caso dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, responsáveis pela gestão de Fundo Especial com recursos específicos para o desenvolvimento de ações e programas voltados à infância e a adolescência, além do Conselho Tutelar, encarregado de zelar pelo cumprimento desses mesmos direitos, subsidiando o planejamento e o controle.

No entanto, passados 35 anos de sua promulgação, os desafios para sua plena implementação ainda são significativos, tanto em nível nacional quanto em municípios como Ribeirão Preto. Por este motivo mais que celebrar a data, é fazer dela um convite à reflexão. O quanto temos, de fato, garantido os direitos previstos na lei? Como nossa cidade tem se comprometido com o princípio da prioridade absoluta?

Entraves persistentes

A juíza Márcia Mendes afirma que precarização de serviços públicos, a escassez de recursos humanos qualificados e a ausência de políticas permanentes comprometem a efetivação dos direitos previstos no ECA (Arquivo Pessoal)

Para a juíza do Fórum de Combate ao Trabalho Infantil, Márcia Mendes, apesar dos progressos, o cenário ainda é marcado por desigualdades e lacunas. Em muitas localidades, incluindo Ribeirão Preto, a precarização de serviços públicos, a escassez de recursos humanos qualificados e a ausência de políticas permanentes comprometem a efetivação dos direitos previstos no ECA. A violência doméstica, a exploração sexual e o abandono escolar são problemas recorrentes que exigem respostas estruturais e contínuas.

A conselheira Patiana, afirma que aqui em Ribeirão Preto os desafios são urgentes e que crianças e adolescentes ainda não são prioridade absoluta nas políticas públicas. Ela cita a falta de vagas em creches e escolas, o alto índice de evasão escolar, o desmonte dos serviços de acolhimento institucional, a ausência de equipes técnicas suficientes na rede e principalmente o apagamento da infância e da adolescência no orçamento público.

Outro entrave relevante citado por Márcia, é o discurso que deslegitima o Estatuto, associando-o equivocadamente à impunidade de adolescentes em conflito com a lei. “Tal visão ignora o caráter pedagógico das medidas socioeducativas e compromete a construção de uma sociedade mais justa e solidária”, afirma.

Para Luciana, o crescimento da cidade não carregou consigo os serviços públicos necessários para o atendimento de crianças e adolescentes (Arquivo Pessoal)

Luciana Paschoalin, afirma que apesar da existência de muitos serviços públicos e de iniciativas bem qualificadas do Terceiro Setor para o atendimento de crianças e adolescentes, seja na área da educação, saúde, assistência social, cultura e esporte, ainda é insuficiente para a demanda.

“Apesar de não termos ainda um diagnóstico oficial, é claro e evidente que o crescimento da cidade não carregou consigo os serviços públicos necessários para o atendimento de crianças e adolescentes, deixando muitos territórios escassos de lazer, cultura e esporte, por exemplo”, declara.

Avanços e boas práticas

A juíza Márcia afirma que ao longo das últimas décadas, o ECA impulsionou importantes avanços. Para ela, a criação dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente fortaleceu o controle social e a descentralização das políticas públicas. “Programas como o Sistema de Garantia de Direitos (SGD) e a implantação de medidas socioeducativas respeitando a dignidade dos adolescentes em conflito com a lei são frutos diretos do Estatuto”, diz.

Márcia afirma que que em Ribeirão Preto, observa-se uma crescente atuação intersetorial entre as áreas de assistência social, educação e saúde, com ações de prevenção à violência, combate ao trabalho infantil e promoção da convivência familiar. “A cidade também conta com campanhas educativas e capacitação de profissionais da rede de proteção”, afirma.

A conselheira Patiana, afirma que mesmo diante das dificuldades, o Conselho Tutelar reafirma diariamente o Estatuto em sua prática, cobrando, articulando, acompanhando e zelando pela garantia dos direitos.

“Sabemos que mudar uma cultura leva tempo. Sair da lógica do antigo “código de menores”, punitivista e excludente, para a perspectiva de sujeitos de direitos, como determina o ECA, é um processo em curso e que tem avançado, ainda que a passos lentos. E é nossa tarefa coletiva manter esse caminho vivo”, afirma.

Neste mês de aniversário, o Conselho Tutelar realizou uma série de ações que expressam esse compromisso com o Estatuto. “Promovemos uma edição especial do Conselho Tutelar Itinerante, ocupando o Calçadão com diálogo e escuta da população. Realizamos também uma formação na Escola do Parlamento, voltada a adolescentes inseridos em programas de aprendizagem, em parceria com a Câmara Municipal”, detalha. A programação especial se encerrou nesta sexta-feira, dia 18, no Cine Cauim, com a exibição do curta “Mil mãos e mil corações”, seguida de bate-papo com conselheiras tutelares e discotecagem do Hierofante. “Foi um momento de celebração, arte, troca e resistência”, finaliza.

Responsabilidade de todos

Mais do que uma lei, o ECA é um compromisso ético e jurídico com o presente e o futuro de milhões de brasileiros. Sua efetivação depende de vontade política, participação popular, financiamento adequado e valorização dos profissionais que atuam na ponta. “Crianças e adolescentes não são apenas o futuro do país – são cidadãos de hoje, com direitos que devem ser respeitados e garantidos com urgência e seriedade”, afirma Márcia.

A juíza afirma que é papel de todos – Estado, sociedade e família – assegurar que os princípios do ECA deixem de ser uma promessa e se tornem uma realidade concreta para cada criança e adolescente, em cada território do Brasil.

Patiana declara que os 35 anos do ECA nos lembra que cada criança e adolescente tem o direito de crescer com dignidade, segurança e afeto. E que o Estatuto só faz sentido se estiver vivo nas ruas, nas escolas, nas famílias e nas decisões políticas.

 

 

 

 

 

 

 

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