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PJ ou CLT? A batalha da pejotização chega ao STF

Rodrigo Gasparini Franco *
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A suspensão das ações sobre pejotização em todo o país, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, reacendeu o debate sobre a natureza das relações de trabalho no Brasil e os limites entre a autonomia contratual e a proteção dos direitos trabalhistas. O tema, que ganhou destaque com a decisão do ministro Gilmar Mendes, envolve questões centrais sobre a chamada “pejotização” e suas consequências para trabalhadores, empresas e o próprio sistema jurídico.

Pejotização é o termo utilizado para descrever a prática de empresas que contratam pessoas físicas por meio de pessoas jurídicas, geralmente criadas pelos próprios trabalhadores, para a prestação de serviços que, na essência, possuem características de vínculo empregatício. Na prática, o trabalhador deixa de ser registrado como empregado sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho e passa a emitir notas fiscais como prestador de serviço, muitas vezes sem a autonomia real que caracteriza uma relação entre empresas. O objetivo, para as empresas, é reduzir encargos trabalhistas e previdenciários, enquanto, para o trabalhador, pode significar a perda de direitos como férias, 13º salário e FGTS.

O cerne da discussão jurídica está em determinar se a contratação por meio de pessoa jurídica, mesmo quando há subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade — elementos clássicos da relação de emprego —, pode ser considerada válida ou se configura fraude trabalhista. O STF, ao reconhecer a repercussão geral do Tema nº 1.389, assumiu a responsabilidade de uniformizar o entendimento sobre a matéria, diante da multiplicidade de ações em todo o país e das decisões divergentes nos tribunais regionais do trabalho.

O Tema nº 1.389 do STF trata especificamente da “possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhador e empresa contratante, quando a contratação se dá por meio de pessoa jurídica interposta, inclusive na hipótese de relação de trabalho com profissionais de saúde”. A discussão ganhou ainda mais relevância após a aprovação da Reforma Trabalhista, em 2017, que ampliou as possibilidades de contratação e flexibilizou algumas regras, mas não eliminou a necessidade de observância dos requisitos do vínculo empregatício.

A decisão de suspender todas as ações em curso sobre o tema foi fundamentada na necessidade de evitar decisões conflitantes e garantir segurança jurídica até o julgamento definitivo pelo plenário do STF. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, destacou que a multiplicidade de ações e a ausência de um entendimento consolidado geram insegurança para empresas e trabalhadores, além de sobrecarregar o Judiciário com recursos repetitivos.

No âmbito do STF, as posições dos ministros ainda estão em formação, mas já se delineiam algumas tendências. Parte dos ministros entende que a pejotização, quando utilizada para mascarar uma relação de emprego, deve ser considerada fraude e, portanto, ensejar o reconhecimento do vínculo empregatício, com todos os direitos decorrentes. Esse entendimento se baseia na proteção constitucional ao trabalho e na vedação ao retrocesso social, princípios que orientam a interpretação das normas trabalhistas.

Por outro lado, há ministros que defendem a validade da contratação por pessoa jurídica em situações em que há efetiva autonomia do prestador de serviço, especialmente em atividades de natureza intelectual ou em profissões regulamentadas, como médicos e advogados. Para esses ministros, a simples existência de uma pessoa jurídica não pode ser considerada, por si só, fraude, sendo necessário analisar caso a caso a presença dos elementos caracterizadores do vínculo de emprego.

A decisão final do STF terá impacto direto sobre milhares de contratos em vigor e poderá redefinir os limites da terceirização e da contratação de autônomos no país. Empresas de diversos setores, especialmente da saúde, tecnologia e comunicação, acompanham com atenção o desfecho do julgamento, que poderá impor novas obrigações trabalhistas ou, ao contrário, consolidar a flexibilização das formas de contratação.

Enquanto o STF não conclui o julgamento, a suspensão das ações sobre pejotização representa um momento de espera e incerteza para trabalhadores e empregadores. O resultado do julgamento do Tema nº 1.389 será decisivo para o futuro das relações de trabalho no Brasil, podendo fortalecer a proteção ao emprego ou consolidar a tendência de flexibilização contratual iniciada nos últimos anos.

* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

 

 

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