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Psicologia da vida cotidiana (15): A vida como um teste de QI (1)

José Aparecido Da Silva

 

A vida pode ser entendida como uma bateria de testes mentais no sentido de que as vantagens de um QI alto não são uniformes, pois dependem da complexidade das tarefas que enfrentamos nas diferentes arenas da vida (trabalho, família, saúde, educação). Por outro lado, a vida é diferente de uma bateria de testes mentais no sentido de que, de algum modo, nos submetemos a diferentes baterias, isto é, estamos sujeitos a diferentes conjuntos de tarefas demandando diferentes complexidades que, por sua vez, requerem, em média, diferentes escores de QI. Por exemplo, nos tornamos especializados em algumas arenas da vida (ocupações, vocações etc.) nas quais outras pessoas não alcançam sucesso. Estas diferenças em nossas realizações permitem-nos criar nichos mais compatíveis com o nosso talento e interesses, mas elas também dificultam comparar o impacto real do QI em nossas vidas. Ao lado disso, diferente da testagem do QI, a vida nos oferece algumas escolhas nos testes que enfrentamos (por exemplo: podemos optar por cuidar ou não das crianças, tentar obter sucesso como professor ou como jogador de futebol, ser um caixa de banco ou um caminhoneiro). Nós temos alguma liberdade para perseguir tarefas dentro de nossa competência e para evitar aquelas que são muito fáceis ou muito difíceis.

Nosso mundo social também, de alguma maneira, partilha oportunidades e obrigações de acordo com nossa habilidade para manipulá-las. De fato, as pessoas frequentemente escolhem ou são designadas para diferentes tarefas exatamente para evitar odiosas distinções na competência. Portanto, diferenças em inteligência e seu impacto na competência cotidiana tornam-se difíceis de ser percebidas quando pessoas realizam atividades não comparáveis. Todavia, nós frequentemente perseguimos diferentes atividades exatamente porque nós diferimos em inteligência geral. Por consequência, a busca por diferentes atividades invariavelmente sinaliza diferenças na inteligência geral.

Outra grande diferença entre a bateria de testes de QI e a bateria de testes da vida, reside no fato de que os construtores de testes têm dedicado incontáveis esforços para padronizar as condições sob as quais os testes são aplicados, visando exatamente descartar outras influências sobre o nosso desempenho. Mas, na vida ocorre o contrário. As vantagens externas podem amenizar ou acentuar o impacto da inteligência geral, dependendo se os indivíduos menos ou mais brilhantes recebem mais ajuda ou fazem melhor uso dela. Mesmo quando tomamos testes comuns (por exemplo: dominar um currículo escolar mínimo, manter um sustento e assim por diante) nós diferimos substancialmente na forma com que usamos ou extraímos essa ajuda ou preparação avançada de nossos ambientes sociais.

Quais as evidências que demonstram que a vida é igual a uma bateria de testes mentais e, em particular, como a vida depende da inteligência geral ou do QI? Alguns têm afirmado, por exemplo, que a inteligência geral é apenas uma ínfima parte e até mesmo sem importância no grande espectro mental e que, além disso, ela aplica-se mais, embora não exclusivamente, às tarefas do tipo acadêmico. Ora, isto não é verdade. As análises das ocupações, dos empregos e dos progressos na carreira, demonstram direta ou indiretamente, que as diferenças em inteligência geral (ou QI) desempenham um papel poderoso no mundo do trabalho. De fato, depois das realizações educacionais, o desempenho no trabalho é provavelmente o correlato de inteligência geral mais intenso e exaustivamente estudado. Empregos são similares aos testes psicométricos porque constituem constelações de tarefas (itens) que os indivíduos são requeridos desempenhar ao longo de sua jornada de trabalho, e onde o desempenho é julgado em função de algum padrão de certo ou errado, melhor ou pior. Estas constelações de tarefas (ou testes) também tendem a ser razoavelmente estáveis e confiavelmente diferentes, isto é, elas podem ser geralmente classificadas em diferentes ocupações (classes de testes). Tal como existem muitos tipos diferentes de testes, de habilidades verbais, de inteligência e similares, há também variedades de professores, eletricistas e médicos.

A evidência saliente de que as ocupações podem confiavelmente constituir diferentes testes mentais origina-se dos estudos sociológicos sobre a hierarquia ocupacional. Estes estudos revelam que, não somente todos os grupos sociais ordenam as ocupações na mesma ordem de prestígio, mas também que o QI médio dos candidatos de uma dada ocupação correlaciona-se por volta de 0,80 a 0,90 com o nível do prestígio daquela ocupação. As pesquisas psicológicas, tanto no setor militar quanto cível, revelam a mesma correlação entre os níveis ocupacionais e os QI(s) dos pretendentes. Em outras palavras, as ocupações mais socialmente desejáveis recrutam seus trabalhadores dos segmentos mais altos da distribuição do QI. Isto sugere que as ocupações são, na verdade, testes da vida que diferem nitidamente, não apenas em conteúdo, mas também em suas demandas em relação à inteligência geral (ou QI). Como Claude Bernard certa vez disse, “Na ignorância, abstenha”.

Professor Titular Sênior da USP-RP*

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