O Autismo tem ganho destaques e manchetes nos últimos dias particularmente da associação feita pelo presidente da grande nação norte-americana acerca da associação entre paracetamol e autismo. Esta associação foi imediatamente contestada por diferentes Sociedades Científicas as quais sustentaram que tais associações entre as duas variáveis não têm base científica. Em outras palavras, não há evidências estatísticas (mesmo com tamanhos de efeitos pequenos) a partir dos estudos indicando que o uso do paracetamol, especialmente na gravidez, cause autismo, ou seja, uma relação direta de causa e efeito. Mas como definimos o constructo Autismo? Ele é definido como um transtorno de neurodesenvolvimento e é associado com uma etiologia multifatorial. O processo patofisiológico do autismo inclui fatores genéticos e ambientais. Autismo é uma patologia heterogênea, mais acuradamente, definida como Transtorno do Espectro Autista (TEA). Pessoas com TEA apresentam no mínimo três das seguintes deficiências, ou incapacidades: (1) dificuldades qualitativas nas interações sociais, (2) dificuldades qualitativas na comunicação e (3) padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamentos, interesses e atividades. Ademais, autismo é associado com várias outras condições clínicas, incluindo incapacidade cognitiva, hiperatividade, transtorno de déficit de atenção, transtornos motores, desordens do sono, entre outras. No livro Neurodesenvolvimento e seus transtornos, Santos, Arruda, Masruha e M.A. Arruda (2025; Neurowiser) descrevem além do autismo, inúmeros outros transtornos.
Adicione a isso dificuldades para reconhecer, e entender, as expectativas e intenções dos outros, resultando, então, na má interpretação, ou não interpretação, do que os outros estão dizendo. Pessoas com autismo têm dificuldade com as funções executivas, especialmente com organização, pobre manejo do tempo e em planejar suas atividades e distribui-las no mesmo. Sua resistência em lidar com eventos inesperados faz com que necessitem de rotina. Em adição, têm grande déficit no pensamento diacrônico, ou seja, na habilidade para entender quais transformações ocorrem ao longo de um período, bem como, que estas não significam alteração de identidades, além de entenderem que eventos acontecendo sucessivamente podem ser partes de um mesmo todo. Parecem ter a capacidade mnemônica episódica reduzida, isto é, dificuldade de relembrar eventos do passado que se conectam intimamente às suas experiências pessoais, além de dificuldade para se projetarem no futuro, de forma a imaginarem experiências vindouras devido a sua incapacidade de construir uma determinada cena, que reúna múltiplos elementos sensoriais oriundos de algo imaginário.
Por conta disso, são pessoas com menos sucesso que outras sem tal condição clínica, além de dificuldades em estimar ou reproduzir intervalos de tempo. Em geral, apresentam problemas em estimar grandes durações pelo fato de terem dificuldades em reproduzir memória episódica. Adultos com TEA, envolvidos em tarefas de reprodução de intervalos, movem-se para além da duração-alvo, mostrando maior variabilidade em suas respostas do que os participantes que não tinham tais sintomas. Esse efeito tendendo a aumentar com longas durações. Nossos brilhantes colegas do Grupo Aprender Criança (sempre crianças), Castro, Riesgo e Gadia, numa publicação recente no Jornal de Pediatria (30 de agosto, 2025; 3:14) discutem, na cuidadosa revisão, se o TEA está atualmente está sendo super diagnosticado ou se de fato estamos enfrentando uma nova epidemia.
Os colegas analisam criticamente os fatores que influenciam as estimativas de prevalência do Transtorno do Espectro Autista (TEA), considerando determinantes metodológicos, clínicos, etiológicos e socioculturais que moldam os dados epidemiológicos e as práticas diagnósticas. Eles constataram que, nas últimas décadas, houve um aumento substancial na prevalência do TEA no mundo como um todo. Afirmam que “esse fenômeno é moldado por uma combinação de fatores, incluindo mudanças nos critérios diagnósticos, métodos de detecção aprimorados, acesso expandido aos serviços de saúde e maior conscientização pública”. Ademais, mostram que há ausência de marcadores biológicos e que a alta taxa de comorbidades psiquiátricas as disparidades no acesso a profissionais qualificados complicam ainda mais o processo diagnóstico. Esses elementos destacam a necessidade de cautela ao comparar dados entre estudos, períodos ou regiões geográficas.
Em suas conclusões, apontam que o fortalecimento das práticas diagnósticas e das abordagens epidemiológicas é essencial para garantir dados mais precisos e subsidiar a tomada de decisões informadas em políticas de saúde. A verdade é que o curso crônico da doença, ao lado da presença das comorbidades variadas, torna o TEA uma condição séria, grave e incapacitante.

