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Quanto vale a sua atenção?

Rodrigo Gasparini Franco *


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A pergunta, aparentemente simples, esconde uma disputa feroz que atravessa séculos e envolve economistas, psicólogos, governos, empresas de mídia e, hoje, sobretudo, as gigantes do mundo digital. Reza a lenda que, em 1919, Lenin teria visitado o fisiologista Ivan Pavlov para compreender como os reflexos condicionados poderiam contribuir para moldar o “novo homem” soviético.

Um século depois, a lógica é parecida: plataformas digitais como Instagram e TikTok, munidas de algoritmos avançados, condicionam nosso comportamento por meio de estímulos constantes, transformando-nos em consumidores previsíveis e dependentes, reduzindo nossa atenção ao mais valioso ativo do capitalismo contemporâneo.

Essa disputa foi antecipada por Herbert Simon, Nobel de Economia em 1978, que compreendeu cedo os limites cognitivos humanos. Diferente da visão clássica, para ele não somos agentes perfeitamente racionais, mas seres que lidam com restrições mentais e emocionais, decidindo não com base na perfeição, mas no que é “bom o suficiente”. Simon previu que, diante da abundância informacional, o escasso não seria mais o conhecimento, mas sim a energia mental disponível para lidar com ele.

Sua frase tornou-se célebre: “uma riqueza de informação cria uma pobreza de atenção”. A economia da atenção, portanto, se torna inevitável: quem controla a direção do nosso foco controla também nossas escolhas.

Décadas depois, Daniel Kahneman, psicólogo laureado com o Nobel em 2002, trouxe uma lente complementar. Ele revelou que nossa mente opera em dois sistemas: o 1, rápido, intuitivo e quase automático; e o 2, lento, lógico, consciente, porém desgastante.

É nesse segundo sistema que o consumo de atenção se eleva — e, justamente por isso, ele tende a ser o primeiro a colapsar diante do excesso de estímulos. Saturados, passamos a depender do Sistema 1, mais vulnerável a vieses, atalhos mentais e manipulações.

A fadiga mental nos empurra para escolhas menos racionais, mais imediatistas, mais convenientes a quem deseja vender algo.

Essa engrenagem não passou despercebida pelo mercado. Em 2004, Patrick Le Lay, então presidente do canal francês TF1, admitiu sem rodeios que seu negócio era “vender tempo de cérebro humano disponível” à Coca-Cola.

A programação era apenas um meio para tornar o espectador receptivo às mensagens publicitárias. Um gesto de franqueza rara que expôs a lógica subjacente à mídia: não se trata de informar, entreter ou educar, mas de capturar e revender atenção.

A televisão fez isso durante décadas. As redes sociais, hoje, aperfeiçoaram o processo com uma precisão quase cirúrgica, armadas com big data, inteligência artificial e mecanismos de personalização contínuos.

Instagram, TikTok e outras plataformas operam como verdadeiros laboratórios pavlovianos. Os algoritmos nos recompensam com doses intermitentes de novidade, dopamina e reconhecimento público, criando ciclos de compulsão e dependência.

A promessa é a de um fluxo infinito de conteúdo feito sob medida, mas o custo é a erosão da autonomia. Cada deslize no feed nos transforma em máquinas de cliques e, mais ainda, em potenciais clientes de mercadorias que nem sabíamos desejar.

Não é exagero afirmar que não apenas consumimos informação: somos consumidos por ela.

Nesse cenário, a atenção se configura como campo de batalha e moeda de troca.

A abundância de dados, somada à limitação cognitiva descrita por Simon e ao desgaste mental apontado por Kahneman, cria uma sociedade sempre à beira da distração crônica. Quem domina essa engenharia da atenção detém não só vantagem econômica, mas também poder social e político.

Afinal, moldar aquilo que olhamos, ignoramos ou acreditamos é moldar também aquilo que somos e fazemos.

O desafio que emerge é existencial: alcançar consciência sobre o valor da própria atenção. Gerenciá-la se tornou uma competência de sobrevivência na era digital. Entre Lenin curioso sobre Pavlov, executivos que vendem “tempo de cérebro humano disponível” e algoritmos que disputam cada segundo diante da tela, permanece a mesma pergunta: quanto vale a sua atenção? Talvez, no fundo, mais do que qualquer moeda já inventada.



* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

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