Por ocasião das comemorações dos 95 anos do Theatro Pedro II, o Tribuna Ribeirão recentemente resgatou algumas histórias marcantes: sua inauguração em outubro de 1930; o incêndio de julho de 1980, que destruiu a cobertura, o forro do palco e grande parte do interior, incluindo o teto; e a reinauguração, em junho de 1996. Também foram lembrados personagens que ajudaram a escrever essa trajetória.
Mas a recuperação do Theatro não aconteceu num passe de mágica. A reconstrução só começou mais de dez anos depois, no início da década de 1990, sob a responsabilidade técnica da construtora Jábali Aude.

Para que a obra se tornasse realidade, foram necessários muitos esforços e a colaboração de diversas pessoas. Nesta edição, relembramos um dos capítulos mais importantes, e pouco conhecidos: um movimento liderado para angariar fundos e viabilizar a restauração. Foi graças à iniciativa do casal Maurilio e Vera Biagi, que sensibilizou o presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, que o projeto ganhou força e se tornou possível.
Muito tempo depois, essa história veio a público quando Vera Biagi foi homenageada, em outubro de 2020, pela Fundação Theatro Pedro II, então presidida por Mariana Jábali. A cerimônia ocorreu na Sala dos Espelhos, com a presença de autoridades, filhos, netos, familiares, amigos de Vera, entre eles os maestros João Carlos Martins, Roberto Minczuk e Reginaldo Nascimento, da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto.
Na ocasião, foi instalada uma placa em reconhecimento ao papel de Vera na restauração, com menção também a Roberto Marinho, corrigindo a falha de protocolo que o deixou de fora da lista de convidados da reinauguração. O episódio foi igualmente registrado no livro comemorativo sobre o Theatro, reeditado pela Revide e distribuído durante a cerimônia.
A arte do encontro
Os empresários Maurilio Biagi Filho e Roberto Marinho já se conheciam de eventos empresariais e de negócios, e tinham vários amigos em comum. Mas a iniciativa decisiva para impulsionar o resgate do maior patrimônio cultural de Ribeirão Preto, em 1992, partiu de Vera, esposa de Maurilio.

Aproveitando essa proximidade, Roberto e Lily Marinho vieram a Ribeirão Preto com interesse de conhecer a região, já então famosa pela força do setor agroindustrial, pela liderança em energia alternativa e pela posição de maior polo produtor de açúcar, etanol e equipamentos pesados do país. O casal visitou a Companhia Energética Santa Elisa, a Zanini S/A e outras empresas do grupo Biagi à época.
Posteriormente, foram recebidos para um almoço na Fazenda Vassoural, em Pontal, junto à família Biagi e a diversos convidados, entre eles o jornalista Joelmir Beting, que apesar de trabalhar na Rede Globo, estava afastado de Roberto Marinho havia algum tempo, e cuja presença marcou a reaproximação entre os dois. Durante a visita, Maurilio levou o casal Marinho e Beting para um sobrevoo pela região, mostrando de cima a dimensão da potência econômica local, um gesto que o empresário mantém até hoje com visitantes especiais. Roberto Marinho ficou tão impressionado que, poucos meses depois, um Globo Repórter especial sobre a região de Ribeirão Preto foi ao ar.
Pouco antes dessa visita, Vera havia sugerido ao marido que conversasse com Marinho sobre a possibilidade de ajudar na restauração do Theatro Pedro II. Maurilio, no entanto, achou que seria mais apropriado que ela mesma abordasse o assunto com o presidente das Organizações Globo.
Determinada, Vera preparou um dossiê detalhado sobre o Theatro, reunindo sua história, a importância cultural para a cidade e o impacto do incêndio que quase o destruiu.

Após o almoço, na despedida, Maurilio comentou com Roberto Marinho que Vera gostaria de conversar sobre o principal patrimônio cultural da região. Atencioso e gentil, Marinho a ouviu com interesse. Vera explicou a relevância do Theatro Pedro II, o terceiro maior teatro de ópera do país, e perguntou se ele poderia apoiar a restauração.
Com a elegância de sempre, Roberto Marinho respondeu que não poderia prometer o envolvimento imediato da Fundação Roberto Marinho, mas que levaria o pedido ao Rio de Janeiro com uma recomendação pessoal, pois havia se impressionado com a dedicação à causa. Para surpresa de todos, pouco tempo depois, chegou a notícia de que Maria Augusta Mattos, a Guta, alta funcionária das Organizações Globo e natural de Ribeirão Preto, viria à cidade para realizar um estudo técnico e avaliar o apoio da Fundação. Amiga das famílias do casal, Guta permaneceu uma semana em Ribeirão Preto levantando informações e, ao retornar ao Rio, apresentou um relatório favorável. O projeto foi aprovado.
A boa notícia foi comunicada oficialmente à Prefeitura e ao casal Biagi. Com tudo acertado, a Fundação Roberto Marinho iniciou a captação de recursos para a restauração, já que ela própria não pode investir diretamente. Maurilio também contribuiu nessa fase, articulando a primeira contribuição, no valor de 300 mil dólares à época, que veio da Andrade Gutierrez, por meio de seu relacionamento próximo com diretor da companhia em São Paulo, Roberto Amaral, cuja participação foi fundamental para o início das obras. Paralelamente, outra articulação foi feita nesse período por Maurílio com a Siemens, que doou todos os equipamentos de telefonia e comunicação que tinha em seu portfólio e se adequavam ao projeto.
Na última semana dezembro de 1992, o então prefeito Welson Gasparini foi ao Rio de Janeiro, exclusivamente, para assinar o convênio. Mas foi durante a gestão do prefeito Antônio Palocci (1993–1996) que as obras avançaram e se concluíram, culminando com a reinauguração em junho de 1996, durante as comemorações dos 140 anos do município.

Em 2005, Lily Marinho voltou a Ribeirão Preto, convidada pelos organizadores da Feira do Livro. Vera e Maurilio a homenagearam com um almoço seguido de uma visita ao Theatro. Na presença de alguns convidados, entregaram-lhe um ramalhete de flores e prestaram uma singela e justa homenagem in memoriam ao Dr. Roberto Marinho.
Símbolo maior da cultura de Ribeirão Preto, o Theatro Pedro II, cuja origem remonta ao ciclo do café, foi idealizado e construído pela Companhia Cervejaria Paulista, daí o nome Quarteirão Paulista, cujas famílias ribeirão-pretanas Meira, Pagano e Rossi estavam entre as principais acionistas. Sua reconstrução, resultado de um esforço coletivo, devolveu à cidade um patrimônio de esplendor e magia que segue encantando gerações. Atualmente, o Theatro está mais vivo do que nunca e é presidido pela jornalista Flávia Chiarello, que recebeu uma doação de mil livros que contam essa história nos seus primeiros dias de trabalho.

