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Santo Antônio abençoa. Mas quem protege as mulheres?

Foto: Arquivo

André Luiz da Silva *
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Trabalho há mais de quarenta anos no Cartório de Registro Civil e, semanalmente, acompanho diversos casamentos. É um momento mágico, envolto em emoções intangíveis, que sempre me comove. Decidi ser um juiz de casamentos rigoroso no cumprimento da lei, mas, acima de tudo, acolhedor. Por isso, gosto de conversar com os casais. Costumo perguntar como se conheceram e o que os motivou a dar esse passo tão importante. As respostas são as mais variadas — e muitas, surpreendentes.

O amor, afinal, sempre teve seus mistérios. Na mitologia romana, Cupido, filho de Mercúrio e Vênus, era o menino travesso que flechava corações, despertando paixões profundas. Na tradição católica, Santo Antônio é lembrado como o “santo casamenteiro”, conhecido por ajudar mulheres, especialmente as de condição humilde, a encontrarem um bom marido. Já em várias denominações protestantes, acredita-se que bastam joelhos no chão, oração sincera e uma boa descrição da pessoa ideal — e Deus providencia o resto. Entre os mais jovens, cada vez mais distantes das tradições, são comuns os encontros promovidos por aplicativos. Há ainda crenças alternativas que prometem trazer a pessoa amada em três dias. E, para os mais descolados, é só prestar atenção — como canta o Jota Quest: “Mas tudo que acontece na vida tem um momento e um destino… o teu amor pode estar do seu lado.”

Confesso: já ouvi tantas histórias que poderia afirmar com segurança — todas as alternativas estão corretas.

Nesses anos todos, ouvi milhares de “sim” e proclamei, incontáveis vezes, a frase “em nome da lei, eu vos declaro casados”. “Pode beijar a noiva”, então, nem se fala. É tudo lindo, divino e maravilhoso. Faço questão de registrar os reencontros com casais cuja união tive a honra de oficializar. Sempre que os vejo ainda juntos, felizes, gosto de fazer uma foto e publicar com a legenda: “Reencontrando casais felizes.”

Mas, infelizmente, esse clima poético é bruscamente interrompido quando nos deparamos com as manchetes do noticiário, que registram, cada vez com mais frequência, a trágica escalada do feminicídio. Sim, aquele homem que um dia jurou amor eterno, que prometeu cuidado, carinho e proteção, torna-se o algoz daquela a quem dizia amar.

Muito se fala sobre as razões dessa violência que destrói lares e vidas. Alguns líderes religiosos atribuem à falta de Deus. Mas é preciso ir além dessa explicação simplista. Especialistas apontam causas estruturais, como o reduzido investimento em políticas públicas voltadas à prevenção da violência doméstica e à proteção das vítimas. Há também falhas graves na fiscalização das medidas protetivas determinadas pela Justiça. Soma-se a isso a flexibilização da legislação sobre armas, que facilitou seu acesso pela população civil, aumentando o risco em casos de violência conjugal.

Outro fator alarmante é a normalização da misoginia — o discurso de ódio contra as mulheres — e o crescimento de teorias conservadoras que pregam que a mulher deve ser submissa e dominada. São ideias que perpetuam e aprofundam a desigualdade de gênero, ainda tão presente na política, na economia, no mundo do trabalho — enfim, em todos os setores da nossa sociedade. Para sustentar essas ideias, distorcem textos bíblicos, criam narrativas infundadas e permanecem insensíveis ao sofrimento da maioria da população mundial: as mulheres.

Se você gosta de números, aqui estão eles: em 2024, foram registrados 927.369 casamentos nos cartórios brasileiros. No mesmo período, o Mapa da Violência divulgado pelo Ministério da Justiça apontou dados estarrecedores: 196 mulheres estupradas por dia, milhares sofreram agressões e ameaças e 1.450 foram assassinadas.

Quantos sonhos são transformados em pesadelos? Quantas lágrimas de alegria, num dia memorável, tornam-se lágrimas de dor e sofrimento eterno?

Que possamos, para além da romantização deste momento tão sagrado e especial, infundir nos corações — especialmente dos homens — o verdadeiro sentido do respeito ao próximo. Que jamais esqueçamos a máxima: quem ama, não mata.

* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista

 

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