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Sete de Setembro: celebrar ou questionar?

Foto: Arquivo

Nascido no final da década de 1960, cresci embalado por um regime ditatorial que só nos largou em 1985. Na escola, escrevi trabalhos e cantei louvores à independência do Brasil, sempre inspirado pela célebre pintura Independência ou Morte, de Pedro Américo. Ah, quantas vezes sonhei com Dom Pedro I naquele cavalo branco reluzente, espada erguida, guarda imperial alinhada… uma cena épica que, para um garoto, era quase tão real quanto as figurinhas de álbum da Copa.

Tive boas notas em EMC – Educação Moral e Cívica – e em OSPB – Organização Social e Política Brasileira. Acreditava piamente que o Brasil era dos brasileiros, e cantava o hino toda quarta-feira, durante o hasteamento da bandeira. Sim, quarta-feira era dia oficial da pátria na escola, antes mesmo da aula de matemática estragar a manhã.

E como esquecer os desfiles da Semana da Pátria? Lá estava eu, bandeirinha de papel na mão e um entusiasmo de quem acreditava que o futuro era verde e amarelo. Em 1977, quando lançaram o cata-vento com o slogan “O Brasil é feito por nós”, parecia até que a coisa ia engrenar. Os desfiles, na verdade, eram máquinas de fabricar identidade, uma coreografia coletiva de pertencimento.

Um dia também desfilei. Aliás, pela altura fui promovido a porta-bandeira na Polícia Mirim e, mais tarde, integrante da Guarda-Bandeira no serviço militar. Aprendi direitinho aquelas lições antigas de “morrer pela pátria e viver sem razão”. Relembro ainda a frase do Almirante Barroso, na Batalha Naval do Riachuelo: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever.” Pois eu, disciplinado, cumpri.

Só que a vida adulta tem dessas: revela verdades desconcertantes. Descobri que o grito do Ipiranga não foi tão heroico assim — um episódio bem menos cinematográfico do que Pedro Américo pintou. Soube também que a verdadeira consolidação da independência veio em 2 de julho de 1823, na Bahia, quando indígenas, escravizados, soldados e figuras notáveis como Maria Quitéria, a abadessa Joana Angélica e o corneteiro Lopes deram corpo e sangue para expulsar as tropas portuguesas. Esse, sim, foi um grito de gente que não se contentava em apenas assistir à história — fez questão de escrevê-la.

E aprendi outra lição, talvez a mais amarga: o Brasil pode até ser feito por nós, mas não é feito para todos nós. Até hoje, uma minoria concentra poder político, econômico e midiático — e mostra grande dificuldade em dividir as riquezas que deveriam ser coletivas.

Além do país do futebol e do carnaval, o Brasil tem conquistado um reconhecimento crescente no cenário mundial, mas neste ano, o Sete de Setembro tem gosto agridoce. Enquanto celebramos a independência, o Supremo julga uma trama golpista que tentou ressuscitar a ditadura e rasgar o Estado Democrático de Direito, só para manter no poder quem perdeu nas urnas. Vimos gente enrolada em bandeiras, fantasiada de verde e amarelo, gritando por intervenção militar e até aplaudindo sanções estrangeiras contra o próprio país. Se isso é patriotismo, o dicionário anda precisando de revisão urgente.

E para completar a ironia, o feriado caiu no domingo. Mas tudo bem: ainda dá tempo de aclamarmos o Brasil amado, desde que não esqueçamos que independência não é desfile, nem bandeirinha de papel — é compromisso diário.

Compromisso com a redução das desigualdades, com educação e saúde públicas de qualidade, com trabalho digno, com crescimento sustentável, com responsabilidade fiscal, com o combate à corrupção e à violência. Compromisso com uma pátria que seja justa, soberana e de todos.

Só então, e com a consciência tranquila, poderemos gritar aos quatro ventos, sem constrangimento e sem retórica vazia: Viva a Independência do Brasil!

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