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20 de abril de 2024 | 1:54
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O Paraguai e sua Literatura: HÉRIB CAMPOS CERVERA (2)

Publicando seus primeiros poemas sob o pseudônimo de Alfonso Monteverde, em 1923, Cervera os republicará em seu próprio nome um ano depois. Poemas, em sua maioria, sentimentais e elegíacos, o autor neles chora a morte de seus amigos. Nesta primeira fase literária, modernista, que durou cinco anos, sua vontade estética e capacidade de configuração artística já são evidentes. Entretanto, nenhuma característica da mesma permite ao leitor e à crítica prever a direção poética que o levará a ser uma das principais figuras da modernidade literária do Paraguai. Em 1928, Cervera segue a tendência de extrair o acentuado estilo retórico de seus poemas. Opta, então, por temas do cotidiano, de maior simplici­dade, quase coloquiais, estilo que será consolidado em poemas posteriores até atingir temas com forte conteúdo social e político. Eram já as bases estéticas do Pós-Modernismo preparando o poeta para seus versos maduros.

Próximo à década de 1930, Cervera, retornando de seu primeiro exílio para sua terra natal, fundou, juntamente com Josefina Plá, a nova poesia paraguaia, semelhante à dos grandes criadores contem­porâneos da língua espanhola. Nela, segunda fase da poesia do autor, com os recursos expressivos do pós-modernismo incorporados, Cervera e Josefina Plá farão coro ao estilo hispânico de Vallejo, García Lorca, Neruda e Alberti. Estilo, este, que, mais tarde, já estará presente nas gerações líricas de 36 e 40.

“Cenizas Redimidas” (Cinzas Redimidas), único livro publicado em vida pelo autor, traz um título significativo, que reporta para a condição final da vida: da madeira, uma vez queimada, e arrefecida a brasa, só lhe restam os resíduos, as cinzas. Metaforicamente, extinta a vida do poeta, o que dele ficava? Ficavam, para ela, a melancolia, o silêncio e o saudosismo. “Redimidas”, direcionando para algo read­quirido, reconquistado, revelam o desejo de Cervera de retornar sua origem. Terceira fase poética do autor, oriunda de sua reflexão crítica sobre seus poemas anteriores, determina a experiência particular que este tinha do mundo. Marca, também, seu encontro com o materialismo histórico e a filosofia existencial, que marcaram, segundo especialistas, o pensamento e a práxis literária e político-social do poeta. Passados três anos da publicação de “Cenizas Redimidas”, Cervera veio a falecer. Nesse inter­valo, o autor escreveu cinco poemas, dos quais quatro foram coletados e publicados.

Postumamente, “Hombre Secreto” veio a lume, obra da qual extraímos este poem
a:
“Há um grito de paredes hostis e intermi­náveis; há um lamento cego de música perdida; há um abismo cansado de janelas abertas em direção a um céu de pássaros; há um relógio sonâmbulo, deixá-lo desvendar ininterrup­tamente suas horas amarelas, pedindo peni­tência e confissão. Tudo cai ao longo do sangue e do duelo: Borboletas morrem e os gritos vão embora. E eu, de pé e olhando para a manhã de abril! Observando como a construção do tempo cresce: sentindo vontade de empurrar. Vou amar o sal marinho, onde nos doze tímpanos do caracol celeste os caldos da sede gotejam eternamente! Meu Deus! -Se eu não quiser mais nada que o que eu já tinha e deixei, aquelas quatro paredes nuas e absolutas; essa maneira imensa de estar sozinho, roendo a madeira do meu próprio silêncio ou esculpindo as unhas da minha cruz. Oh senhor! Eu caí em bu­racos quentes de névoa. Eu sou como um ladrão que rouba de si mesmo; sem lágrimas; com nada que signifique alguma coisa; morrendo da morte que eu não tenho; desenterrar larvas, madeiras e palavras, papéis vencidos; caindo da altura do meu nome, como uma bandeira quebrada que não tem soldados; morto de viver durante o dia e no outono, esta colheita esquecida de naufrágios. E eu sei que, afinal, meu peito brilha, até ver o arfar dos ossos, mordido pelos metais ácidos das ferramentas frias. Eu sei toda a areia que minha mão levanta, vira, na ponta dos pés, irremissivelmente, até as últimas vinícolas onde estão os vinhos inúteis e as fezes do vinagre final são geradas. Quão melhor teria sido se você não tivesse chegado tão longe! Nunca tendo subido pelo ar de Abril, ou adivinhou que isso traz os olhos como uma pedra congelada, coisas irremediáveis para um homem tão triste quanto eu! Oh senhor!: se você pensou que eu era uma blasfêmia, coloque uma mão sua no ombro e deixe-me cair desse amor sem descanso, em direção ao ar dos pássaros e à parede nua da minha solidão indefesa!”

Por sua vez, sua prosa, geralmente voltada ao jornalismo, tiveram alguns textos resgatados e publicados em edição póstuma de suas poesias completas, “Poesías completas y otros textos”, bem como, publicou-se, pela primeira vez, os textos poéticos anteriores aos que o poeta coletou em “Ceniza Redimida”.

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