19 de abril de 2024 | 0:17
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O piano de Tom Jobim

Escrevi sobre este causo faz 14 anos, mas vou me lembrando de detalhes que não foram pro papel, então decidi rememorar, viajar nas asas da lembrança e contar sobre o belíssimo samba composto pelo maestro Tom Jobim e Chico Buarque.

Tom tinha o maior orgulho de ter nascido no dia do ani­versário da cidade de São Paulo, 25 de janeiro. Quando foi para o subsolo virou um salseiro, mas um intelectual adiantou-se e disse: “Artista como Tom Jobim não morre, mas imortaliza-se”.

Não tem como definir qual sua melhor composição, Uns dizem ser “Águas de março”, outros “Corcovado”, há quem diga “Wave”. São todas de uma beleza sem tamanho, a construção perfeita da melodia e letra é de tirar o chapéu. Por falar em construção, a história contada por ele numa entrevista de como nasceu a música “Águas de março” é de uma simplicidade sem tamanho, mas a construção dos versos é que são elas.

Disse ele que estava construindo em seu sitio em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, deixou sua caminhonete car­regada de materiais para a obra e queria sair bem cedo, acontece que choveu muito durante a noite e estradas de terra são tímidas, estreitas e sempre acontecem imprevistos.

Tom comentou que teve de parar inúmeras vezes para tirar paus, pedras, tocos, e galhos da estrada pra poder passar. Muitos mortais iriam resmungar, até xingar, mas o poeta fez da situação parte da letra da sua canção “Águas de março”, cuja letra começa com o que acabo de escrever.

Tom morava no Jardim Botânico e, no dia 3 de março de 1991, desembarcou em casa uma comitiva da Estação Primei­ra de Mangueira, cuja missão era convencê-lo a ser homena­geado no carnaval do ano seguinte e o tema seria “Se todos fossem iguais a você”, nome da música de Tom e Vinícius. Aceitou no ato.

Foi aquela festa, mas alguém lembrou que precisavam celebrar, e logo surgiu dois engradados de cervejas supergela­das vindas de uma padaria em frente à casa do poeta. A turma era boa de samba e de copo. No meio de toda aquela euforia, o jornalista Osvaldo Martins, diretor da Mangueira, observou que Tom sentou-se ao piano e fazia anotações numa partitura.

Estava admirado de que com toda aquela barulheira o ma­estro pudesse estar compondo uma música. Disfarçadamente se aproximou, correu o olho e sacou o título: “Mangueira”, já com dois pentagramas da partitura preenchidos. Nascia naquele mo­mento “Piano na Mangueira”, um samba ainda sem letra. Tom comentou com o jornalista que iria pedir pro Chico Buarque colocar letra, só que ele estava na Europa sem previsão de volta.

Ana, esposa do Tom, confessou ao jornalista que há tempos não via seu marido tão feliz. Enquanto a comitiva não chega­va da missão, uma multidão se aglomerava na sede da escola. Quando chegaram confirmando o “sim” do maestro, a comemo­ração foi como uma enorme explosão, parecia até gol em final de copa do mundo, depois foi festa o ano todo.

O samba pronto, faltava a letra e nada do Chico voltar, mas uma coisa ninguém poderia imaginar: aquele seria o último samba composto por Tom Jobim, pois ele se mandou em de­zembro de 1994. Todos esperavam pela volta do Chico e tal fato aconteceu oito meses depois.

Assim que desembarcou, foi lhe dada a missão. Depois de duas noites e duas madrugadas, e muitos porres na casa do Tom, o samba estava pronto. Tom cantou no telefone em primeira mão para o jornalista Osvaldo Martins, que em lágrimas lhe agradeceu. “Obrigado parceiro”.

Sexta conto mais, abreijos amigos.

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