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18 de março de 2024 | 23:49
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Padre Antônio Vieira, o democrata

O Padre Antônio Vieira, jesuíta de formação, com certeza é o mais extenso escritor da língua portuguesa. Hoje se tornou um dos mais esquecidos. A sua bibliografia enriquece-se com os sermões proferidos no Brasil. Também muito trabalhou em Portugal e tam­bém em Roma. Viveu numa época de extenso e intenso analfabe­tismo, daí o espanto dos seus críticos que não conseguem com­preender como os seus profundos textos tenham sido preservados pelos seus ouvintes daquele passado.

Nasceu em Lisboa em 1608 e faleceu em Salvador em 1697. Ainda jovem veio com a família para o Brasil, onde tomou o hábito de jesuíta, tornou-se professor, inclusive de lógica, antes de retornar, pela primeira vez para Portugal. Os estudiosos destacam alguns dos muitos sermões como exemplo de sua extraordinária cultura.

Num deles aconselham seus fiéis a nunca usar o negativo “não”. Negar é trabalhar contra a verdade. Originariamente, na língua la­tina, a palavra “não” era “non”, ou seja, um não de dupla face. Viei­ra propunha que as pessoas jamais devessem negar qualquer coisa ao seu semelhante. Como “non” tem dupla face, com facilidade poderia inverter sua ordem para atingir a pessoa do seu aplicador.

Em outro sermão, Vieira não se dirigiu aos fiéis de Salvador, mas ao Cristo crucificado, cuja imagem estava fixada no altar. Falando diretamente, noticiava ao Cristo que os holandeses, con­fessadamente luteranos, aproximavam-se do território brasileiro. O orador destacava que os holandeses, muito embora cristãos, não eram devotos de Nossa Senhora, razão pela qual deveriam atacar a imagem da mãe de Cristo. Cristo, pai de todos, não poderia aban­donar sua mãe nas mãos dos infiéis! Qual é o filho, com o poder de Cristo, deixaria alguém destruir as imagens de sua própria mãe!

É necessário destacar que Vieira dedicou sua vida não apenas para escrever seus sermões. Seja como sacerdote, seja como profes­sor, lutou com extraordinário denodo defendendo a liberdade dos judeus e dos índios escravos. Lutou sempre contra a escravidão e contra a perseguição aos judeus.

Naquela época os judeus eram perseguidos em Portugal e no Brasil, com o que não se conformava Vieira. Os judeus instala­ram em Pernambuco a primeira sinagoga de todas as Américas, chamada Kahal Zur Israel, Rocha de Israel. A sua influência era tão grande que, por ocasião da dominação holandesa, por ordem de Maurício de Nassau, o judeu português Baltazar de Affonseca construiu sobre o Rio Capibaribe a primeira grande ponte do Bra­sil (1640). Vieira, em virtude de suas posições de cunho político foi condenado pelos tribunais religiosos, o que estancou fortemente a sua carreira diplomática.

Em um dos seus sermões, queixou-se indiretamente das restri­ções impostas à sua atividade de sacerdote e de diplomata. Inicia-se a sua oratória citando uma frase bíblica em latim: “Ecce exiit qui seminat seminare”, ou seja, “eis que saiu o semeador a semear”.

Vieira, em seguida, inverteu a frase, para afirmar que há semeadores que saem a semear e espantosamente há semea­dores que semeiam sem sair. Estes últimos dirigiam a cúpula política e religiosa de Portugal, que ordenava a seus sacerdotes que fossem semear nas distantes colônias portuguesas, enquan­to permaneciam folgadamente em Lisboa. Segundo Vieira, esses últimos “semeavam sem sair”.

Num momento em que o Brasil é submetido a sua mais brutal tragédia de sua história, vale a pena lembrar-se de Vieira, grande escritor da nossa língua, como também um batalhador incansável pelos padrões de democracia e de liberdade, tão desprezados nos dias de hoje em nossa Pátria, quase cinco séculos após.

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