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Penitência de um Penitenciarista

Roberto Lyra, Promotor de Justiça, compôs a Comissão Alcânta­ra Machado ao lado de Nelson Hungria, Vieira Braga e Narcélio de Queiroz. Com o compromisso de transformar o anteprojeto existen­te no Código Penal de 1940, durante a ditadura de Getúlio Vargas.
Lyra era positivista e Hungria clássico. É possível afirmar que Lyra enxergava a prisão como remédio para que o condenado não mais cometesse crime; Hungria, jurista clássico, via a pena como a resposta social ao crime cometido.

Há uma pequena história sobre o conflito da Comissão com o ditador. Vargas exigia que o grupo introduzisse no Código Penal a pena de morte. Os componentes da Comissão não concordaram. Resolveram pedir demissão. Foram ao Palácio do Catete e comu­nicaram a sua decisão ao ditador que, tomando café com uma sua filha, ordenou que apresentassem a demissão.

Naquele momento, a filha do Getúlio interrompeu o diálogo e censurou seu poderoso pai, dizendo-lhe que não podia acreditar que tivesse uma visão tão absurda. Getúlio, muito surpreendido, ordenou que fosse obedecida a sua filha. O Código Penal de 1940 livrou-se da pena de morte por conta da opinião da filha de Getú­lio e não do parecer dos extraordinários juristas componentes da Comissão Alcântara Machado.

Durante o período em que Roberto Lyra exerceu a Promotoria de Justiça empreendeu um grande trabalho no sentido de transfor­mar as prisões em escolas para a recuperação dos réus. Teve muito pouco sucesso. Escreveu uma monografia clássica sob o título “Peni­tência de um Penitenciarista”, relatando sua frustrada experiência.

No final do ano de 1963, presenciei um discurso de Roberto Lyra no qual espantosamente dizia existir uma contradição insuperável na história da sociedade humana que ao mesmo tempo em que pretendia colonizar a Lua não conseguia civilizar as prisões na Terra. Pelo menos enquanto permanecessem tão inúteis quanto estúpidas.

Na ocasião lembrei-me de um dos símbolos de Portugal, o “galo de Barcelos”. Há várias histórias sobre o assunto. Vamos a uma delas. Durante a Idade Média, um cristão passou pela cidade de Barcelos em sua peregrinação para Santiago de Compostela. Naquele um crime foi imputado ao pobre peregrino. Como não haviam ainda criado cadeias, o juiz o condenou-o à pena capital, aplicando ao peregrino a mesma sanção imposta a Santa Joana D’Arc que na França foi queimada viva porque foi condenada por bruxarias e por usar roupas masculinas.

Deram ao peregrino o direito ao último pedido. “Quero falar com o juiz”, disse. Os carrascos levaram o pobre homem à casa do juiz que então estava almoçando cometendo um galo assado. O Juiz ouviu o réu e disse-lhe que a pena estava mantida porque não havia prova de sua inocência.

O pobre réu disse então que se fosse inocente, Deus e Santiago de Compostela ressuscitariam o galo assado consumido pelo juiz. Imediatamente o galo recobrou a vida, deu um pulo no prato, bateu asas e saiu cantando. O réu foi imediatamente absolvido. O “galo de Barcelos” é até hoje um dos símbolos de Portugal.

O jurista Yves Gandra Martins nestes dias manifestou-se sobre a questão (Folha de S. Paulo, 16.11.19, A2): “Na minha tese, sugeri que tais recursos fossem destinados ao calamitoso sistema carcerário brasileiro, hoje verdadeira escola do crime, e não de reeducação para a sociedade, como idealizaram os especialistas em ciência penitenciária”.

Passados os anos, o pensamento do advogado Gandra Martins não se afasta das lições pronunciadas no passado pelo Promotor de Justiça Roberto Lyra. Os dois, entre outros, manifestaram a mesma opinião sobre a questão mesmo após o homem já ter pisado no solo lunático.

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