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19 de abril de 2024 | 22:37
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‘Sei que Jesus não castiga o poeta que erra’

Imagine um locutor, radialista, comandando um programa numa das rádios mais ouvidas do Brasil, isso lá pelos anos 30 do século passado. A Globo era a maioral na época de ouro do rádio e Lamartine Babo era esse locutor. Com-positor de primeira, não tinha aquele vozeirão, qualidade exigida naquele tempo, mas sua voz ecoava Brasil afora.

Ele é autor da belíssima “Eu sonhei que tu estavas tão linda”. A letra dessa música é um sonho. Também foi letrista da belíssima música de Ary Barroso “No Rancho Fundo”. Aliás, essa canção gerou o maior barraco, pois outro compositor já havia escrito a letra – chegou a ser gravada. Lamartine Babo fez outra letra e mostrou-a pro Ary Barroso, que pediu desculpas ao amigo, mas obedeceu seu coração.

Também é de Lamartine Babo a animadíssima marchinha de carnaval “O teu cabelo não nega”, cantada com sucesso até hoje. Lembro dos carnavais nos salões dos clubes aqui em Ribeirão Preto, quando a banda atacava com seus sopros o público incendiava.

Para versar, nosso compositor nem piscava. De inteligência rara, certa vez foi ao correio passar um telegrama. Este era um dos poucos recursos existentes na época pára quem desejava enviar um recado rápido. Enquanto aguardava por atendimento, o telegrafista, querendo tirar uma com a cara de Lamartine, usando o código de Morse enviou uma mensagem para o amigo dizendo que estava diante de um sujeito baixinho, feio e narigudo.

O compositor sacou a parada e quando o sujeito o chamou, Lamar­tine tirou um lápis do bolso do paletó e, usando o mesmo código do engraçadinho, passou a resposta: “Baixinho, feio, narigudo e ex-telegra­fista”. O caboclo ficou na maior saia justa.

A fama de Lamartine Babo era de se admirar. Naquele tempo era difícil tirar uma foto e fãs do Brasil todo, em qualquer canto onde a voz de Babo e outros cantores chegava, escreviam pedindo retratos de seus ídolos. Lamartine recebia pedidos vindos de Serra da Boa Esperança, em Minas Gerais. Quem assinava as cartas era Nair, que passou a rece­ber versos do compositor e também respondia versando com inteligên­cia. Lamartine ficava admirado lendo versos tão ricos.

A coisa foi fluindo, Nair o convidou para conhecer sua cidade, o tempo passava e um belo dia Lamartine embarcou numa maria-fuma­ça. Já na cidade, uma charrete de aluguel o conduziu até o endereço das cartas. Foi recebido por Carlos Alves Neto, dentista, que surpreso com a ilustre visita, deu uma embromada nele. Lamartine também observou que Nair era uma menina de apenas seis anos, irmã de Carlos.

Então, Lamartine resolveu dar uma volta pela cidade e fez perguntas ao charreteiro que o transportou. Ele disse que Carlos e Nair eram a mesma pessoa e que o marmanjo usava o nome da irmã para ludibri­á-lo e, assim, conseguir fotos. Lamartine então foi falar com o dentista, que esclareceu tudinho.

Como todo bom carioca que se presa, e já que estava lá, tão longe do seu Rio de Janeiro, o poeta tirou de letra e deixou rolar. Foram muitas cantorias e ele deixou marcas na cidade.

Quando o trem partiu, ele olhando pela janela, observando a paisagem, começou a compor a maravilhosa “Serra da Boa Esperança”, que tem dezenas de gravações. Lamartine escreve assim na segunda parte: “Levo na minha cantiga a imagem da serra, sei que Jesus não castiga o poeta que erra, nós os po­etas erramos, porque rimamos também, Serra da Boa Esperança, meu último bem”. Tiro meu chapéu para esta parte, analisando estas linhas, imaginei vivendo várias situações.

Rolando um lero com meu querido amigo, professor Gilberto de Abreu, aqui de Ribeirão Preto, ele disse que quando trabalhava na EPTV foi até Serra da Boa Esperança fazer uma matéria sobre esta mú­sica. Entrevistou o dentista personagem da história, já bem idoso, que e confirmou tudo. Quem puder, ouça a música, vale a pena.

Sexta conto mais.

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