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Sócrates e os inimigos da filosofia

A filosofia foi inventada pelos gregos, que inauguraram uma nova atitude em relação ao conhecimento. Não apenas uma outra teoria (theoria, do grego: visão), mas uma forma diferente de pensar, de compreender o mundo e a nós mesmos.

Trata-se de uma atitude crítica diante dos conhecimentos estabelecidos, normas, padrões, verdades e valores.

Isto corresponde ao surgimento da ciência. Até hoje, nenhum cientista, em qualquer área do conhecimento, acredita que já saibamos tudo acerca de qual­quer coisa. Ao contrário. A ciênciaé a atitude de quem sempre busca superar o que já se sabe, consciente da provisoriedade e da parcialidade de toda verdade.

A verdade torna-se tarefa infinita, como resume o filósofo Edmund Husserl. Sempre é necessário rever as coisas desde outros ângulos, e corri­gir nossas conclusões.
Esta é a razão pela qual a espécie humana teve e tem, desde então, desen­volvimento tão impressionante: nunca estamos satisfeitos com as descobertas, mas seguimos em busca de saber mais, de agir melhor, de aprimorar nossas técnicas,nossas instituições políticas, nossas leis e nossas próprias vidas.

Por isso Sócrates é o filósofo exemplar. A humildade em admitir sua ignorância (“só sei que nada sei”) e a audácia com que desafiava as opiniões representam muito bem a atitude do filósofo e do cientista, sempre investigan­do e duvidando.

Para Sócrates, fazer filosofia é discutir. Ele era um dialético: um especialista em debater, em propor e em resolver problemas, em examinar e reexaminar questões, para identificar suas fraquezas, suas incoerências internas, sua contra­dição com os fenômenos.

De acordo com Sócrates, toda opinião precisa expor-se ao debate, às perguntas e aos problemas apresentados, para testar sua verdade, que apenas se admite se ela é coerente com suas premissas e consequências, com outras opini­ões consideradas também verdadeiras, com os fenômenos e as evidências. Toda incoerência é sinal de falsidade, a ser corrigida por meio da discussão racional.

Apenas a discussão dá acesso à verdade, ainda que provisória. Por isso a destruição do debate e da crítica – e das instituições que as abrigam – significa a destruição da verdade tal como a concebemos em nossa civilização.

Apesar de ser reconhecido hoje como um dos pensadores mais influentes e ín­tegros da história, Sócrates foi, no seu tempo, ao mesmo tempo admirado e odiado. Sua inteligência e sua honestidade eram atraentes, mas ele irritava as pessoas com perguntas muitas vezes repletas de ironia. Ele estava em busca da verdade, que só poderia ser alcançada por discussões que refutassem as opiniões falsas.

Ridicularizado em seu tempo, Sócrateschegou até aapanhar na rua, perse­guido por pessoas que se consideravam acima de qualquer contestação.Por fim,­foi condenado à morte pela retórica que dominava o tribunal popular. Ele – que passara a vida ajudando os outros a tornarem-se sábios e virtuosos – foi acusado de crimes religiosos e políticos: impiedade e perversão da juventude.

O filósofo foi vítima da violência e do dogmatismo, que impedem a discussão e a investigação para imporem opiniões que não po­dem ser criticadas, ainda que cheias de incoerências ou contrárias às evidências, à lógica ou ao bom senso.

Os dogmas ignoram contestações e sobrevivem graças a estratégias violen­tas e retóricas que envolvem o descrédito moral, a ridicularização, a condenação judicial ou mesmo a eliminação física de quem questiona.

Sócrates não foi o primeiro nem o último a ter a vida destruída pelos inimi­gos da filosofia. A história das ideias está repleta de outros exemplos.Mas apesar de todos os golpes contra quem insiste em dialogar e em examinar opiniões e ações, o questionamento e a investigação racional seguiram impulsionando a civilização, o desenvolvimento das ideias científicas, artísticas, políticas, econô­micas e jurídicas.

Parece que Sócrates estava certo quando avisava àqueles que o tinham condenado por ter dedicado a vida a questionar, a discutir: “Eu vos afianço, homens que me mandais matar, que o castigo vos alcançará logo (…) Vós o fizes­tes supondo que vos livraríeis de prestar contas de vossa vida; mas o resultado será inteiramente oposto (…). Serão mais numerosos os que vos pedirão contas; (…) Se imaginais que, matando homens, evitareis que alguém vos repreenda a má vida, estais enganados, (…). Com estevaticínio, despeço-me de vós que me condenastes.”(Platão, Apologia de Sócrates).

A atitude ensinada por Sócrates continua viva. Os seus inimigos também.

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