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Tang Yu: a IA que virou CEO

Rodrigo Gasparini Franco *


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A revolução da Inteligência Artificial tem trazido desafios inéditos para o Direito, colocando à prova normas que até pouco tempo pareciam suficientes para reger as relações de trabalho e a vida corporativa. Um exemplo emblemático vem da China, onde a NetDragon Websoft, desenvolvedora de games sediada em Fuzhou, no sul do país, anunciou a substituição do cargo de CEO por um sistema de Inteligência Artificial batizado com o nome feminino de Tang Yu.

A executiva digital, como vem sendo chamada, não recebe salário e está em operação ininterrupta, funcionando 24 horas por dia, sete dias por semana. A empresa, que já tinha histórico de apostar em tecnologias disruptivas, decidiu oficialmente posicionar o algoritmo à frente de sua gestão, numa experiência que mistura negócios, marketing e ousadia no cruzamento entre inovação e administração.

O anúncio gerou surpresa e abriu debates sobre os desdobramentos jurídicos e sociais dessa decisão, tanto dentro da China quanto fora dela.

Do ponto de vista simbólico, a nomeação da Inteligência Artificial mostra como empresas de tecnologia desejam transmitir ao mercado uma imagem de vanguarda.

O fato de atribuir um nome feminino, Tang Yu, reforça também a tentativa de humanizar o algoritmo de aprendizado de máquina, tornando-o mais aceito por funcionários e investidores.

Contudo, as implicações práticas são complexas. Em termos técnicos, a Inteligência Artificial é capaz de analisar dados, monitorar desempenho e ajustar decisões operacionais em tempo real, mas no campo jurídico ela não é uma pessoa física ou jurídica, nem detém personalidade civil para assumir responsabilidades legais. Isso levanta debates sobre até que ponto uma empresa pode, de fato, declarar que tem uma Inteligência

Artificial como presidente-executiva.

No Brasil, tal possibilidade esbarra imediatamente nas leis trabalhistas e civis. Pela legislação vigente, o cargo de diretor ou administrador exige uma pessoa natural, capaz de responder civil e criminalmente por suas decisões.

O Conselho de Administração pode nomear indivíduos para esses cargos, mas não sistemas computacionais. A Consolidação das Leis do Trabalho e o Código Civil não reconhecem algoritmos como sujeitos de direitos ou obrigações.

A contratação de uma Inteligência Artificial como CEO, portanto, é inviável em termos jurídicos. O máximo possível seria usá-la como auxiliar da diretoria, mas o registro formal perante cartórios e órgãos de fiscalização só pode ser feito em nome de uma pessoa física.

Se uma empresa tentasse oficializar tal ideia, ainda precisaria atribuir a responsabilidade a um ser humano de fato.

 Na China, a situação, em essência, é semelhante. O direito corporativo chinês também exige que o representante legal de uma companhia seja um indivíduo capaz de responder perante tribunais, assinar contratos e assumir deveres fiscais.

A nomeação de Tang Yu, nesse sentido, não caracteriza uma substituição legal, mas sim um arranjo experimental em grande parte simbólico. Embora exista margem maior para inovações no ambiente chinês, a legislação não permite que um algoritmo seja titular formal de um cargo executivo com todas as responsabilidades legais.

A empresa mantém pessoas físicas como responsáveis oficiais, usando a Inteligência Artificial para ocupar visibilidade e oferecer influência nas operações.

Mesmo sem criar mudança legal concreta, a ascensão de Tang Yu inaugura discussões relevantes sobre relações de trabalho e o futuro da gestão.

Ao declarar uma Inteligência Artificial como CEO, a NetDragon coloca em pauta a ideia de administração algorítmica, em que decisões podem ser automatizadas e monitoradas em tempo real, reduzindo custos e prometendo eficiência.

A ausência de salário, a disponibilidade ininterrupta e a independência de limitações humanas reforçam a imagem de uma figura incansável, contrapondo-se às garantias trabalhistas destinadas a proteger funcionários.

A experiência da empresa desperta curiosidade e preocupação. Trabalhadores questionam a segurança de seus empregos em ambientes em que máquinas assumem papéis de liderança. Investidores discutem até que ponto a Inteligência Artificial pode melhorar governança e reduzir riscos, mesmo sem assumir responsabilidades legais.

O episódio mostra que a Inteligência Artificial passa a ser tratada não apenas como suporte, mas como protagonista das operações, ainda que de maneira simbólica. Essa decisão pode não ter base jurídica para se tornar prática comum no futuro próximo, seja na China, seja no Brasil.

Contudo, marca um novo capítulo no qual o trabalho humano e a gestão corporativa precisarão se reinventar diante da crescente autoridade atribuída a softwares na condução estratégica das empresas.



* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

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