Por Adriana Cristofoli
A recente decisão do presidente norte-americano Donald Trump de aplicar uma tarifa adicional de 50% sobre diversos produtos brasileiros voltou a abalar a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. A medida, que entra em vigor no dia 6 de agosto, afeta diretamente setores estratégicos da economia nacional, e tem reflexos imediatos na região de Ribeirão Preto, tradicional polo do agronegócio paulista.

Embora cerca de 700 categorias de produtos tenham sido isentas da tarifa extra (como suco de laranja, celulose, aeronaves e fertilizantes), produtos essenciais para a balança comercial da nossa região, como carne bovina, café e algumas frutas, permanecem entre os mais penalizados.
O governo americano justificou a medida alegando que o Brasil representa uma “ameaça incomum e extraordinária” à economia dos Estados Unidos. Na prática, essa expressão tem valor mais simbólico do que técnico. O que está em jogo é a alta competitividade dos produtos brasileiros, especialmente em setores como carnes, grãos e café, que pressionam a indústria e o agronegócio americanos.
A medida também possui viés político, típica de anos eleitorais nos EUA. Trump reforça seu discurso de proteção ao emprego americano e atende demandas de setores industriais e rurais do seu eleitorado.
Para o consultor econômico José Rita Moreira, o estímulo para o tarifaço foi muito mais geopolítico, especialmente se analisado à luz dos desdobramentos da mais recente cúpula dos BRICS, realizada em junho de 2025.
“O que se viu naquela reunião foi um claro reposicionamento político do bloco, com fortes implicações para a ordem econômica internacional, e, sobretudo, para os interesses estratégicos dos Estados Unidos”, declara.
Moreira explica que durante a reunião, o bloco dos BRICS, que hoje inclui países como Irã, Arábia Saudita, Egito e Argentina (em sua versão ampliada), emitiu declarações incisivas sobre três temas extremamente sensíveis à política externa americana:
- Crítica à postura dos EUA na guerra Israel-Hamas, com ênfase no apoio militar
incondicional a Israel e no bloqueio a resoluções de cessar-fogo na ONU.
- Condenação do recente bombardeio americano em território iraniano,
classificado pelo grupo como “ação unilateral, desestabilizadora e contrária ao
direito internacional”.
- Avanço da proposta de uma moeda comum dos BRICS, cujo objetivo seria
facilitar o comércio entre os membros sem depender do dólar, reduzindo a
influência norte-americana sobre o sistema financeiro global.
“Essas três frentes, segurança, diplomacia e sistema monetário, tocam diretamente os
pilares da hegemonia dos EUA. E qualquer ameaça coordenada, ainda que simbólica, é
interpretada como um risco a ser neutralizado”, observa.
O economista acredita que embora a Casa Branca alegue razões comerciais, como “desequilíbrio de mercado” e “concorrência desleal”, a medida de sobretaxar produtos brasileiros atinge setores centrais da economia do país, e envia um recado claro: há custos a pagar por desafiar a ordem liderada pelos EUA.
Para Moreira, a presença ativa do Brasil no BRICS, somada ao apoio tácito às críticas contra a atuação americana no Oriente Médio e à discussão sobre uma moeda alternativa ao dólar, reforçou a percepção, dentro do governo Trump, de que o país deixou de ser apenas um parceiro comercial e passou a ser um ator estratégico adverso em determinadas pautas. “A divulgação do Tarifaço ocorreu logo após essa reunião”, observa.
Ainda segundo o consultor faltou reação do governo brasileiro. O Brasil foi pego de surpresa e reagiu com lentidão. Mesmo com sinais prévios de insatisfação vindos de Washington, o governo federal não atuou com a agilidade esperada. Não houve mobilização diplomática para antecipar ou mitigar os efeitos do tarifaço. Também não houve esforço para negociar exceções mais abrangentes para produtos estratégicos. “A intransigência do governo em abrir diálogo também prejudica o país. O momento exige pragmatismo e articulação internacional, e não posicionamentos ideológicos ou posturas isolacionistas”, observa.
Para Moreira, o impacto regional é evidente. A cadeia da carne bovina, com abatedouros, confinamentos e frigoríficos presentes em diversas cidades do entorno de Ribeirão Preto, sofrerá diretamente com a queda na demanda externa.
O café arábica, produto de exportação com forte presença nas áreas de Franca, Altinópolis e região da Mogiana, também está entre os mais afetados. Já frutas tropicais e produtos hortifrutigranjeiros, que dependem de mercados internacionais, tendem a sofrer desaceleração. Por outro lado, a isenção do suco de laranja e da polpa é uma boa notícia para o setor citrícola, ainda relevante em municípios como Bebedouro, Matão e Araraquara.
E para o consumidor final? A carne vai baratear? O café vai ficar mais acessível?
A resposta, segundo o consultor econômico José Rita Moreira, infelizmente, é não necessariamente. Para ele, em teoria, com a queda das exportações, haveria maior oferta interna e os preços cairiam. Porém, a realidade é mais complexa.
A carne bovina, por exemplo, tem custo de produção atrelado ao dólar. Com isso, mesmo com mais produto no mercado interno, os preços não devem recuar significativamente. Frigoríficos também podem reduzir a produção para evitar excedentes e preservar a margem de lucro.
O café, por sua vez, pode apresentar alguma queda nos preços ao consumidor, principalmente nas variedades especiais que seriam destinadas à exportação. No entanto, a redução deve ser pontual e, em muitos casos, absorvida pela cadeia comercial antes de chegar ao varejo.
Além de carnes e café, o brasileiro deve se preparar para preços mais elevados, ou, no
mínimo, instáveis, em itens como: Frutas exportadas (mamão, manga, melão); derivados de proteína animal (linguiças, embutidos, carnes processadas); Produtos que dependem de insumos importados e logística de exportação.
Moreira acredita que o consumidor pode ser penalizado duplamente: pelo impacto nos preços e pela desaceleração econômica regional, que afeta empregos e renda.
É necessário buscar outros compradores no exterior, mas isso exige tempo, estratégia e diplomacia ativa. A China, países do Oriente Médio, Europa e mesmo vizinhos da América do Sul são opções. “No entanto, não há garantia de absorção imediata dos produtos brasileiros que perderam espaço nos EUA., até porque o mundo já está mapeado, e não podemos ser ingênuos em acreditar que outros mercados estariam havidos para comprar nossos produtos”, observa.
Além disso, novos mercados exigem adaptações logísticas, certificações sanitárias e, em alguns casos, concessões comerciais que o Brasil ainda precisa negociar.
“Esperar que o mercado se ajuste sozinho pode custar caro, e, como já se vê, quem paga a conta é o produtor e o consumidor brasileiro”, finaliza.

