Tribuna Ribeirão
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Tempos, relógios e existências

Edwaldo Arantes *

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Viver nada mais é que um “Cuco” pendurado na parede da sala, cantando o tempo avisando que a vida passa e desaparece.

Um tipo de relógio mecânico tradicional originário da Floresta Negra, uma região montanhosa no sul da Alemanha, famoso por um pequeno pássaro decorativo que emerge de uma portinhola para emitir um som característico a cada hora cheia ou meia hora.

Relógios nos acompanham até ao despertar, saltar da cama e encarar a realidade, de todos os tipos, épocas e modelos, despertador, ampulheta, clepsidra (de água), praça, colete, corda, pulso, digital, os sinos tristes ao crepúsculo anunciando o “Angelus”, avisando que tudo trafega desenfreado tal qual os trens correndo nas noites escuras e, ainda, do sol e das flores, aquecendo e perfumando as horas.

“O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família”. Mario Quintana.

“O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel”. Platão.

Na solidão das noites eternas, na inseparável e fiel parceria com o tinto seco português, trocando confidências, apenas o tilintar da taça misturando-se aos ruídos silenciosos da madrugada. “In vino veritas”(“no vinho está a verdade”).

O português inebria e entorpece despertando devaneios, chego a sentir os odores do que foi, o pão quentinho, a sopa de fubá, o prato de alumínio, a camisa passada, bife com batatas, o leite de rosas e as alfazemas sobre a penteadeira. 

Os lençóis e travesseiros marcados, o cheiro de um amor ungido em um corpo escultural, seu olhar verde de esmeralda lapidada, fulminando corações com a precisão do arqueiro ao disparar sua flecha.

Aromas trazem de volta momentos perdidos na memória.

Escondo-me na infância, a literatura já estava lá nos lambaris pegos na peneira, nas “Taboas” colhidas decorando a sala entulhada com suas mobílias desgastadas, o barulho da panela recolhendo goteiras, o perfume do manacá, o som do saxofone, o silêncio da igreja matriz vazia, as imagens dos santos a nos perseguirem sob olhares acusadores.

Escritores, poetas e filósofos, cunharam suas definições de diversas formas e conclusões tentando explicar um sentimento navegando entre a felicidade e a tristeza, traduzindo tantas sensações, a vida na corda bamba equilibrando-se entre a dor e o contentamento.

Apenas para que possamos estar sempre atentos às marcas de tudo que vivemos, jamais conseguiremos fugir ou ignorar o tempo em nossas meras existências.

É o escultor das horas moldando passado, presente e futuro pode ser uma saudade ignorada, sem motivos.

Experiências existem para o aprendizado, nossas cicatrizes são as provas incontestáveis que existimos.

Dispensamos teses e enunciados, deciframos a equação de sentimentos difusos, chegamos ao resultado e definimos nossos teoremas com gráficos de ausências.

Precisos como o “caipira” e o “matuto” cunhando entendimentos e conclusões, praticando a milenar ciência sábia dos conhecimentos populares. 

“Saudade é vontade de ver de novo”. “Saudade é um bichinho que rói, rói e rói… dói, dói e dói…

Esta dor pode representar perda, distância, falta e necessidade ou simplesmente, a lembrança do que não sabemos.

Estamos impregnados dos nossos destinos, presos às horas e ao tempo.

 Podemos compreender a saudade de algo como a presença incessante da falta.

O vazio que é diferente do nada e insiste em ativar o pensamento ou a levar a estados emocionais confusos.

Estamos condenados ao tormento ou à satisfação que a vida nos traz, a nossa opção de entender e sobreviver.

Abro o segundo tinto seco, palavras e sensações dançam escorregando pelo salão do meu leito, lá fora a noite engole estrelas e, mariposas rodopiam sob as luzes artificiais. 

“Fiat Lux”(faça-se a luz). “In tenebris lux”(na escuridão, a luz). “Nocte latente mendae”(erros ocultos na noite).

“Vós que vireis na crista da onda em que nos afogamos, quando falardes de nossas fraquezas, pensai também no tempo sombrio a que haveis escapado”. Bertold Brecht.



* Agente cultural

 

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