Tribuna Ribeirão
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Uma tornozeleira queimando no país que ainda soluça

Taís Roxo Fonseca *


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Dizem que a noite cai mais pesada quando a verdade tenta nascer. E naquela noite, a noite que o Brasil ouviu o rumor de uma tornozeleira queimada, parecia que o céu inteiro segurava a respiração, como se o País inteiro fosse um pulmão cansado de soluçar.

No centro dessa história está Bolsonaro, o homem que já presidiu essa Nação e que agora aparece preso, pedindo clemência, dizendo que apenas tentou ver “se abria a tornozeleira”, como quem testa a fechadura de um destino. 

Essa tentativa frustrada virou uma confissão, conhecida no mundo jurídico como a rainha das provas.

E assim ele chega na Papuda, o ex- capitão, alegando soluços, dores e tremores, na tentativa de tocar o coração de um juiz. Mas então, essa cronista, a advogada que vos escreve, pergunta: quantos presos soluçam sem que ninguém os escute. Quantos adoecem sem perícia, sem laudo, sem advogado e muito menos médicos.

Quantos carregam tornozeleiras invisíveis, como a pobreza, o abandono, a fome, que nunca serão queimadas porque jamais foram de metal. 

E ai, entra a questão jurídica, se a dignidade é o argumento para a conquista da liberdade, que ela seja universal e garantia para todos. Se o soluço é razão para liberdade, que então as celas se abram para todos que soluçam.

Mas não se abrem. E nessa contradição o País reconhece o que sempre soube, não existe isonomia num sistema que nunca foi feito para ser igual. 

Pergunto mais: comemorar ou não comemorar a prisão do Bolsonaro, há quem deseje fogos, outros o silêncio e outros a justiça. Mas e as vacinas que faltaram, as que demoraram, as que foram desdenhadas, as que poderiam ter salvado famílias que hoje vivem como cicatrizes ambulantes. E se em vez do Bolsonaro tivéssemos naquele momento pandêmico, um presidente de verdade, muita morte ao certo não ocorreria.

Os 700 mil brasileiros não morreram por acaso. A prisão do Bolsonaro não corrige a história, não devolve o ar aos meus amigos mortos de covid. Não une o país rachado. O futuro do Brasil não virá de um cárcere. Virá de um Brasil que se levante por ele próprio, que aprenda com suas ruínas e que conceda dignidade para aqueles que nunca tiveram respeito.

O futuro não será construído na Papuda, mas quando o Brasil parar de soluçar. 

O Lô Borges, que tinha medo de elevadores, como eu, um dia, quando sua mãe mandou que buscasse o pão na padaria, descendo pela escadaria do edifício que morava localizado no silencioso bairro mineiro chamado Santa Tereza, topou com o Milton Nascimento em um dos vãos da escadaria dedilhando seu violão, e desse momento em diante, acontece uma revolução musical na história brasileira pela poesia do Lô ungida na voz mais perfeita do mundo, a voz do Bituca.

Em entrevista recente o Lô contou que num certo dia, quando eles estavam sentados na calçada da esquina, um amigo da escola passou e os convidou para irem ao baile do clube e assim sem hesitar, eles responderam, não obrigada nosso clube é aqui na esquina mesmo.

As esquinas da vida podem ser um risco, mas também podem ser um começo e o Brasil mais do que nunca precisa se encontrar como o Lô encontrou o Milton, para lembrar que a cultura de um povo nasce quando duas almas topam sonhar juntas, aqui seria o encontro dos ricos e dos pobres. 

Tem uma canção do Lô para o Bituca cantar que fala de amor e diz assim:

O mundo lá sempre a rodar, em cima dele tudo vale, quem sabe isso quer dizer amor, estrada de fazer o sonho acontecer, eu simplesmente não consigo parar, lá fora o dia já clareou, mas se você quiser transformar o ribeirão em braço de mar, você vai ter que encontrar, aonde nasce a fonte do ser e perceber meu coração bater mais forte só por você. Lô Borges, presente!

* Advogada

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