Tribuna Ribeirão
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Humano amor

Antonio Carlos Augusto Gama *

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De tardezinha, ela tornou a passar por ali.

Devia ter acabado de sair do banho. Os cabelos, longos e anelados, estavam visivelmente úmidos e assim eram ainda mais belos, com os reflexos dourados indo e vindo, serpenteantes por toda a cabeça.

O vestido leve, de alças finas, expunha os ombros e as costas amorenados pelo sol, entremostrando contra a luz as formas sensuais do resto do corpo.

De onde ele estava não soube ao certo se podia sentir ou apenas adivinhava o cheiro fresco e bom deixado por ela no ar.

Seus olhos correram ao redor e por um momento pareceram pousados nele. Apesar do calor, sentiu-se ridículo por estar naquela local vestindo só uma pequena sunga, sem camisa e descalço, quando a noite já se aproximava com rapidez.

Ao lado, também em roupa de banho, a sua companheira olhava para ele de um modo vago, sem demonstrar haver percebido alguma coisa.

Lembrou-se da primeira vez em que a viu, no início do verão. Foi mais ou menos naquele mesmo horário, mas então ele estava trajado no rigor da moda para a estação: terno de linho claro, camisa da mesma tonalidade, sem gravata, sapatos esportivos e, para completar, um toque de sofisticação dado pelo chapéu panamá, combinando com o conjunto.

Daquela feita ela o fitou demoradamente, porém não conseguiu definir se foi por ele mesmo ou apenas fazendo ideia da roupa no homem dela. 

De qualquer maneira, ter sido o centro da sua atenção, ainda que por um fugidio instante, encheu-o de uma sensação cálida e envolvente, que jamais experimentara antes.

Quando ela se afastou, acompanhou-a com o olhar e ficou a imaginar qual o seu nome, se era casada, se gostava de sorvete, onde morava, como seria o seu quarto.

Começou a perder o ângulo de visão e quase se traiu virando o pescoço para continuar a vê-la, o que seria imperdoável. Outras pessoas estavam olhando para ele agora, e a custo manteve a sua aparente impassibilidade.

Já de madrugada, as luzes apagadas, a loja fechada, continua ali do mesmo jeito, cumprindo o seu destino, imóvel na vitrine, mas sem conseguir parar de pensar nela.

* Promotor de Justiça, aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

 

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