Edwaldo Arantes *
Observo sempre a dicotomia das palavras e as relações que representam os significados opostos, cujo sentido é contrário ou incompatível com o das outras. Vivemos sempre entre as concepções das palavras e seus antagonismos, a luta eterna e a incógnita do amanhã.
Navegamos entre a disputa da verdade e a mentira, amor e ódio, esperança e descrença, relação e incongruência, prazer e amargor, vitória e derrota. Passamos entre o contrário e o propício, na busca insana de atingir o certo e escapar do errado. Acontece que as teias das existências vivem a nos pregar peças em um emaranhado de ações, descobertas, realizações e o sofrimento diário proporcionado por este estranho, duvidoso e incógnito, existir.
As religiões, seitas, grupos, divisões e crenças, cunharam pelos séculos ditos que procuram apaziguar o medo do amanhã e o estado do que subsiste e sobrevive. Disseminaram a tentativa de amenizar o medo do desconhecido, “não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações”. “basta a cada dia o seu próprio”, “foi Deus que quis”, “amanhã será outro dia”, “o futuro, a Deus, pertence”, “viva o hoje”, “trama do diabo”, “Deus chamou”, “desígnios de Deus” e um rosário de justificativas, em total desvalorização do conhecimento científico.
Chocou e ainda choca a humanidade a incerteza e a incógnita, a crença da existência do céu e inferno ilustraram a vida e a imaginação criando seres das trevas e das luzes. Diabos, fantasmas, lobisomens, fadas, anjos, duendes, dragões, deuses, deusas, uma legião de personagens e seres surgidos da ingenuidade, humildade, ignorância, fé, simplicidade e a fértil imaginação.
Os sábios e pensadores sempre buscaram ajustar e designar esta senhora do tempo como ciência e nunca crendices. “Crenças ou noções não se baseiam na razão ou no conhecimento, que levam a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, a depositar confiança em coisas absurdas”, Antônio Houaiss.
Aos poucos, o saber nos leva a descobrir a realidade, levando ao entendimento de que somos os únicos responsáveis pelos acontecimentos e os destinos que escolhemos. Talvez as fraquezas levem a uma maneira de responsabilizar terceiros ao trilhar nossos caminhos culpando a sorte e o azar.
As regras e determinações impostas pelas religiões, doutrinas, práticas e princípios, levou ao crédito cego em aceitar normas e conceitos estabelecidos por elas, sem o contraditório. “Os cegos pedindo esmolas e a terra inteira a rezar”, Geraldo Vandré.
Nossos triunfos são tão somente resultado do trabalho, persistência e dedicação tal qual o atleta em busca do recorde ou alcançar o ouro, prata e bronze. As coroas confeccionadas com ramos de louros, depositadas nas cabeças dos desportistas na Grécia antiga, eram o símbolo de vencer,
“Os louros das vitórias”. As derrotas resultam tão somente pelas falhas, desatenções, imperfeições, inépcias, defeitos, lapsos e deslizes, levando aos fracassos e humilhações. Viver é escancarar a vida posicionando-se equidistante e descrente, alheio aos símbolos, preceitos e justificativas passadas através dos tempos, demônios e divindades não são os responsáveis pelas nossas glórias e desventuras.
Apenas resultam das aventuras da existência humana, na eterna determinação em vencer, o triunfo da realidade sobre a fantasia, do conhecimento sobre a ignorância, do livro sobre a arma e da luminosidade sobre a treva. Tivemos a dura experiência de um irresponsável, ignorante, boçal, inculto, beócio, velhaco e lunático que pregava: “é só uma gripezinha”, “com a aplicação da vacina, podemos virar jacaré” “a eficácia da máscara é nenhuma”, “país de maricas”.
Sua contribuição entre tantos malefícios, danos e desmandos, causaram um atraso incomensurável para a educação, cultura, desenvolvimento, relações diplomáticas e, principalmente, avanço da ciência. “Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que elas são”. Marilena Chauí.
* Agente cultural

