Antonio Carlos Augusto Gama *
O riso está em decadência? Parece que sim. Por toda parte, o que se vê é gente triste, melancólica, deprimida, emburrada ou mal-humorada. No tráfego, nas repartições públicas, nas praças, nas lojas, nos bancos, nas filas.
Os circos e os palhaços praticamente desapareceram, ou estes viraram deputados federais. A molecagem e o drible, que são uma espécie de riso no futebol, desapareceram e são considerados desrespeito ao adversário.
Nunca mais um Mané Garrincha. Os contadores de anedotas sumiram, e os que restam são inábeis ou as contam mal. As comédias, nos palcos, são chochas. E restou aquela coisa estúpida, em algumas séries da televisão, na qual uma plateia oculta gargalha, para mostrar que o telespectador também deve rir. É uma claque invisível.
Os grandes comediantes, como Charlie Chaplin, Buster Keaton, O Gordo e o Magro, Peter Sellers, Jerry Lewis e tantos outros, já não existem. Já não há também romances ou novelas hilariantes. A Inglaterra já foi a “Merry England”, e quem poderá hoje achar que ela é alegre ou feliz? Os caixeiros-viajantes, que eram engraçados e traziam para as suas praças as últimas anedotas, foram sepultados. As sátiras, em prosa ou em verso, já não são escritas.
Os jornais e as revistas de humor, tão numerosas entre nós há muitos anos, não se publicam mais. Os chargistas também vão minguado. Os grandes caricaturistas são agora muito raros. Sobraram algumas histórias em quadrinhos, que despertam o riso.
Mas também os grandes produtores desses comics morreram e não tiveram sucessores à sua altura. Por outro lado, como rir, diante de um mundo e de uma época violenta, terrorista, de catástrofes ambientais e calamidade pública?
Entre nós, um ex-presidente golpista ria da falta de ar alheia, agora vive a soluçar… O que ainda prospera, entre nós, são os deputados e senadores. O seu riso, porém, é sinistro. Há muito que não ouço dizer: “Rir é o melhor remédio”.
Somente vejo, nas lojas e nos bancos, a recomendação: “Sorria, você está sendo filmado”. Como sorrir diante desta cretina violação de nossa intimidade, e muito menos rir? De fato, se você rir muito, ou ainda rir, pode ser levado às barras dos tribunais, por danos morais exigidos pelo sujeito que, pelo seu riso, se entenda ultrajado.
A gargalhada, então, a gargalhada de bater na barriga, a gargalhada com todo o corpo, extinguiu-se completamente. A pilhéria, a piada, as estórias facetas, o teatro de revistas, as chanchadas eram especialidades nossas. Vicente Celestino cantava:
“Eram duas caveiras / que se amavam…” As mulheres riam, ainda que discretamente, os homens riam desbragadamente. Até os padres de batina riam. Olavo Bilac fazia versinhos de propaganda, chocarreiros. E havia aqueles versos, atribuídos a Bastos Tigre, nos bondes: Veja, ilustre passageiro, O belo tipo faceiro Que o senhor tem ao seu lado.
No entanto, acredite, Quase morreu de bronquite. Salvou-a o Rum Creosotado. Já reparam que há peças anatômicas no homem, e na mulher, que são adequadas para o riso? A barriga, nos homens, e as bundas, nas mulheres.
Todas as bundas riem. Mas agora, as anoréxicas não têm bunda. Ria-se até nos velórios, ainda que comedidamente. As escolas eram risonhas e francas, ainda que nem tanto. Sei de um juiz que perguntou, severo e agastado, a uma testemunha que parecia rir:
“Do que o senhor está rindo? Olhe que o prendo, por desacato!” E o outro respondeu: “Não estou rindo, excelência, é a minha dentadura, malfeita”. Ao que o juiz retrucou: “Pois, tire a dentadura imediatamente!”. ão se tolera mais o riso. O Brasil tornou-se triste, muito triste; o mundo todo é triste, com guerras e massacres, como na Palestina e Ucrânia. Quando voltará o riso, quando?
* Promotor de Justiça, aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

