Tribuna Ribeirão
Cultura

A vida como ela é

Por Maria Fernanda Rodrigues

“A vida não é justa, não é amiguinho? Enquanto uns nascem para o banquete, outros passam a vida na escuridão”, ouve o pequeno Simba em O Rei Leão, que acaba de estrear nos cinemas. Simba é só um filhote que testemunha o assassinato do pai, se culpa por sua morte e vai ter uma grande responsabilidade na vida.

Bambi também assistiu à cruel morte da mãe. Arlo vê o pai ser levado pela correnteza justo num momento em que seu principal protetor está desapontado com ele. Dumbo, já vivendo com o peso de ser ridicularizado por ter orelhas grandes demais, é separado de sua mãe. Fievel, durante uma terrível tempestade, é arremessado para fora do navio em que viaja com a família e se vê sozinho num país novo. Nemo, o filho sobrevivente de uma tragédia que dizimou quase toda a sua família, é raptado. Dory vaga pelo oceano buscando em sua curta memória algo que a leve a seus pais.

Simba, Bambi, Arlo, Dumbo, Fievel, Nemo e Dory – um leão, um cervo, um dinossauro, um elefante, um rato e dois peixes – são apenas alguns dos inúmeros personagens que vêm povoando os filmes de animação para crianças. Feitos para divertir, eles abordam temas duros, trazem cenas violentas e podem deixar os pais em dúvida sem saber se seu filho está pronto para ser confrontado com algumas questões essenciais para o ser humano. 

Para discutir se ser confrontado com essas cenas afeta, de alguma forma, as crianças e se filmes podem incentivar a violência ou despertar um medo ou angústia que ainda não havia se manifestado, o Estado conversou com a psicóloga e consultora educacional Rosely Sayão e com o psiquiatra Daniel Martins de Barros. 

“Tudo o que há nos filmes há na vida. A vantagem dos filmes é que em alguns momentos a criança pode fechar os olhos se ela não quiser assistir. Na vida, ela não pode”, comenta Rosely. 

“Os pais tentam proteger os filhos de todo sofrimento e tristeza, de toda emoção negativa, mas é uma missão impossível. Parentes morrem, avós morrem. Esses filmes ajudam a introduzir esses temas para crianças”, diz Barros, que é colunista do jornal O Estado de S. Paulo.

“Muitos pais querem evitar o tema da morte, por exemplo, mas a morte faz parte da vida”, comenta Rosely. De acordo com a psicóloga, essa é uma questão que começa a incomodar crianças mais velhas. Ela divide a infância em duas fases – até os 5, 6 anos e até os 11, 12. Sobre os da primeira fase, explica: “Elas não entendem a morte como um adulto, não têm condição de dar sentido à expressão ‘nunca mais’. Podem perguntar o que é morrer, por que morremos, se o pai e a mãe vão morrer, e ouvir como resposta, por exemplo, que a gente morre quando acaba de viver é suficiente para elas”. “Aos 8, 9 anos, elas terão necessariamente uma angústia de morte, e poucas transformarão isso em patologia.” Rosely diz que é tudo uma questão de paciência dos pais, que devem ouvir mais do que falar. “Conversar hoje, para os pais, significa eles falarem e os filhos escutarem. E deveria ser o oposto: ouvir as crianças para, a partir das ideias delas, dialogar.”

Por isso os dois defendem que os pais observem mais a reação dos filhos enquanto eles assistem a um filme do que levantem questões. “Às vezes você está vendo uma coisa muito boa para discutir, muito óbvia, mas aquilo não está na cabeça do outro. Então, não tem por que colocar o tema em pauta. É sempre mais eficaz ver o que eles trazem para a conversa”, comenta Barros. “A cena que nos preocupa pode não ter tocado a criança e se nos propusermos a discutir, podemos adiantar uma angústia. Se ela ficar quieta, deixa quieto. Além disso, às vezes não é preciso discutir um filme para que ele tenha o efeito de ajudar a criança a resolver alguma coisa. Pode ser ela com ela mesma”, diz Rosely.

Para a psicóloga, teoricamente qualquer filme pode ser visto por qualquer crianças, mas cabe aos pais decidir e arcar com as consequências que, em sua opinião, são sempre leves (perguntas, um certo medo). “Se acontecer de uma criança assistir a um filme desse e ter algo mais sério, o filme foi apenas o estopim, não a causa”, explica.

Ela diz acreditar nos estudos que mostram que há um potencial de agressividade que pode ser satisfeito ao ver uma cena violenta ou jogando um jogo mais agressivo no videogame, e que, portanto, isso não originaria um comportamento violento. 

E tudo bem ver filmes em que brinquedos ganham vida, como Toy Story, com monstros e animais falantes, já que é neste mundo da imaginação que as crianças mais novas vivem, diz Rosely. “A maior, porém, pode fazer alguma confusão e cabe aos adultos esclarecer isso. Sempre digo que é melhor ter jogos de videogame com personagens fantásticas do que com aparência humana para facilitar a separação.” 

A psicóloga finaliza ressaltando que com a ajuda dos filmes é possível entender coisas que seriam mais difíceis de compreender no mundo real.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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