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Cultura

Alice Cooper resgata raízes roqueiras em ‘Detroit Stories’ e exalta Cristo

Sete da matina e a campai­nha de Frank Zappa, em Los Angeles, toca. Com sono, ele abre a porta e quase não acre­dita no bando mal ajambrado de cabeludos diante dele. “Vie­mos tocar pra você”, justificam. “Mas era às sete da noite”, de­volve Zappa que, ainda assim, dá uma chance aos malucos. “Não entendi nada. Mas vou gravar vocês”, devolve o guitar­rista, após ouvi-los.

Quase uma lenda daquelas que só o rock produz, a história é chancelada por Alice Coo­per em recentes entrevistas de divulgação do recém-lançado Detroit Stories, seu novo e elo­giável trabalho. Cinco décadas e 27 álbuns depois daquele psi­codélico kick off em 1969 com Pretties for You, Alice conquis­tou novamente o Graal a que todo músico anseia: escalar o topo das paradas de sucesso em várias partes do mundo como o álbum mais vendido na semana de seu lançamento. Inclusive nos EUA, onde, com petar­dos como o antológico Billion Dollar Babies, Cooper foi um tsunami de vendas, na primeira metade dos anos 1970.

Sinal dos tempos, os nú­meros atuais são bem mais modestos. Mas o que importa é que, aos 73 anos, o roqueiro ainda mostra muito serviço em um dos grandes discos da fase mais recente da carreira. Bem­-humorado, falante, na entre­vista por telefone direto de Los Angeles, dispara juras e louvo­res eternos ao rock’n’roll. Não por acaso, foi beber na fonte do rock sujo e áspero que assumi­damente o influenciou: como o título indica, Detroit Stories foi escrito e gravado em meio à fuligem da Motor City em que Vincent Damon Furnier nasceu, viveu e cresceu, muito antes de incorporar o nome da banda que o projetou.

“Queríamos fazer um disco onde o hard rock é o rei, e onde mais poderíamos ir?”, pergun­ta, para ele mesmo responder. “Detroit, claro. O berço do hard rock, sinônimo de Iggy Pop and the Stooges, MC5, Bob Seger, Ted Nugent, Suzy Quatro. Bem, fomos para lá, escrevemos todo o álbum e o gravamos, com a participação de muitos músicos da cidade nas sessões. Tenta­mos também ter o Jack White e a Suzy Quatro, ambos de De­troit, mas a agenda deles não permitiu. Uma pena”.

Produzido pelo amigo e eterno parceiro de estúdio Bob Ezrin, Detroit Sories traz con­tribuições de convidados do calibre dos guitarristas Steve Hunter, Joe Bonamassa e Wa­yne Kramer (ele mesmo, do próprio MC5), e do baterista do U2, Larry Mullen, além dos músicos da Alice Cooper Band original em algumas faixas. Um dos méritos do álbum é não cair na cilada fácil de apenas enfilei­rar uma paulada atrás da outra. O hard rock, como o músico tanto pontua, dá as cartas. “Se era para fazer em Detroit, nada melhor do que aproveitar tudo de bom que a cidade já ofere­ceu”, avalia o cantor. Verdade: a paleta de Detroit Stories passeia por várias diferentes sonorida­des da cidade. Recria, em ver­são quase metal, Rock & Roll, tema clássico do Velvet Un­derground. E chuta pra longe a zona de conforto ao se aventu­rar, quem diria, no chacundum da gravadora Motown, berço esplêndido “detroiter” do que de melhor a música negra ian­que já produziu.

Há que se ressaltar também o registro vocal do cantor, ain­da inteiro e seguro. “Pegue por exemplo o Jagger e o Steven Tyler”, compara. “Quando es­tão em turnê, eles fazem dois a três shows por semana. Eu faço de quatro a cinco. E olha que estou em duas bandas que passam muito tempo na estra­da, e me sinto ótimo.” O outro grupo a que ele se refere são os Hollywood Vampires, seu combo com Joe Perry, do Ae­rosmith, mais o ator Johnny Depp, que, por sinal, acaba de ter a turnê europeia de verão prevista para o segundo semes­tre cancelada devido à pande­mia. “Mas estamos gravando um novo álbum”, adianta.

Tanta energia, Cooper sem­pre ressalta, só existe por ter deixado para trás há décadas, a vida (muito) louca do passa­do. “Sabe o que é acordar de manhã e a primeira coisa que você faz ao abrir o olho é tomar uma cerveja, não porque você quer, mas porque seu corpo pede?”, revelou, anos atrás, em outra entrevista, sobre os dois cases de cerveja e os hectoli­tros de uísque diários nos quais fazia suas orações. Entusiasta do jogging, hoje, em Phoenix, Arizona, onde mora, corre, malha e joga golfe. E vai à igre­ja todos os domingos. Cristão praticante, o pai do shock rock – cabeças guilhotinadas e bebês despedaçados em cena que o digam – tem emprestado um ombro amigo a colegas roquei­ros encrencados com garrafas, agulhas e afins. Tido como um dos caras mais gente fina de todo o cenário do rock, Cooper só fica em cima do muro quan­do o assunto é Donald Trump.

Por que regravar Rock & Roll, do Velvet Underground?
Conheci Lou (Reed) muito bem, ficamos amigos na época em que fomos para Nova York morar no Chelsea Hotel, no mesmo período que o Velvet Underground estava moran­do lá. E o meu produtor, Bob Ezrin, também produziu dis­cos dele (como o mítico ‘Ber­lin’). Sempre gostei dessa músi­ca do Velvet. O que fiz foi trazer o contexto da canção para De­troit e colocar Joe Bonamas­sa na guitarra. Gravamos ao vivo no estúdio e ela virou um monstro! Ficou muito boa.

A faixa $1000 High Heel Shoes tem muito de Motown, algo totalmente novo em sua música, não?
Ao ir gravar em Detroit, que­ríamos alcançar todos os peda­ções da musicalidade da cidade. Cobrir todos os seus diferentes sons, o hard rock, o punk, o pop. Naturalmente, o som da Mo­town não poderia ficar de fora. E tínhamos uma banda boa o suficiente para reproduzi-lo, por isso, investimos em um som ao estilo da gravadora que sempre foi uma parte muito importante do som de Detroit.

Recentemente, você decla­rou que acredita na nova gera­ção do rock. O que tem tocado atualmente no playlist do Ni­ghts with Alice Cooper, seu pro­grama de rádio em Phoenix?
Toco muito Foo Fighters, que é uma banda espetacular. Sempre toquei também o Gre­en Day. Mas há muito mais por aí, existe toda uma nova gera­ção de bandas que ainda não são muito conhecidas, uma geração que vai emergir. Toda uma safra de novas bandas, de Detroit e outros lugares, de quem vamos ouvir falar muito nos próximos três ou quatro anos, o que é ótimo.

No documentário Super Dupper Alice Cooper, de 2014, você comenta que, ao se recuperar de abusos de álcool e drogas, temeu que o per­sonagem Alice Cooper não mais aparecesse no palco, já que nunca o havia interpreta­do sóbrio antes. Como venceu esses demônios internos?
Bem, amo o que faço e que­ria continuar. Decidi que que­ria ir em frente, gravar discos, fazer turnês e, para isso, tinha que parar de beber e me drogar. Vários amigos tinham morrido ou estavam morrendo. Jimi Hendrix estava morto, Jim Morrison, Janis Joplin, muita gente morrendo ao meu redor. E caras como eu, Steven Tyler, Iggy Pop, Jagger, Richards e outros, decidimos viver, em vez de morrer. E paramos de fazer o que estávamos fazendo. Vai aí uma boa dose de sobre­vivência, porque no rock’n’roll é muito fácil morrer quando você se deixa levar pelos ex­cessos. E, quando interpretei o Alice Cooper sóbrio, foi a pri­meira vez que senti realmente estar no controle de tudo: da minha voz, do palco, da plateia, do show. Decidi parar com tudo e aos poucos recuperei minha saúde. Só isso explica eu continuar fazendo o que fazia tanto tempo depois.

Antes disso, ainda nos anos 1970, na época do ál­bum Lace and Whiskey, você criou outro alter ego, um cer­to Maurice Escargot. Ele foi um bode expiatório para os excessos do personagem Alice Cooper de então?
Sim. Na verdade, existi­ram dois Alice Coopers. Antes, quando ainda estava bebendo e me drogando, eu interpretava um personagem que era meio que um coitado, a vítima das circunstâncias. E eu o via e inter­pretava dessa maneira. Quando fiquei sóbrio, decidi que não po­dia mais interpretar aquele Alice Cooper. Agora, ele seria um su­pervilão numa banda de rock, e com uma boa dose de senso de humor. Como o Coringa, por exemplo. E o público amou esse novo personagem.

O que o faz ser tão otimis­ta com o rock?
Veja, Alice Cooper tem 28 discos de estúdio gravados e to­dos são de rock. O rock, o hard rock, é o único estilo que sobrevi­veu ao punk, à new wave, à disco music, ao hip hop – a lista é lon­ga. Rolling Stones, Guns’n’Roses, Aerosmith, Alice Cooper, Deep Purple…. todos somos bandas de hard rock, um estilo atemporal, que passa de uma geração à outra e nunca vai morrer.

Se pegarmos como exem­plo apresentações suas no festival alemão Wacken Open Air, um dos maiores eventos de rock pesado do mundo, é fácil observar como novas ge­rações sempre o redescobrem O que faz com que Alice Co­oper passe no teste do tempo?
No fundo, acho que é a mú­sica. As pessoas vêm para ou­vir Poison, Under My Wheels, Billion Dollar Babies e outras. E eu procuro sempre me cercar de uma grande banda, dos melho­res músicos possíveis. Com um ingrediente a mais: faço questão que todos sejam amigos. Nunca há egotrips, problemas com di­nheiro, ou um cara dormindo com a garota errada, essas coi­sas nunca acontecem. Somos uma família, passamos a maior parte do tempo rindo. Com o Hollywood Vampires, é a mes­ma coisa. Johnny Depp, Joe Per­ry e eu já estamos juntos há sete anos, e nunca tivemos uma úni­ca discussão. Quando você se cerca de pessoas legais, criativas, e com quem você se sente bem, isso faz a diferença no palco.

Para quem, há tempos, ao som do hit Elected, sempre se “candidata” satiricamente à Presidência dos EUA, como vê a transição Trump-Biden?
Hoje, vivemos em um mundo em que todo mundo tem que ser politicamente cor­reto, e acho que o Alice Cooper é uma válvula de escape pra tudo isso. Não sou uma pessoa da política, procuro até ficar longe dela. Muitos artistas e bandas se envolvem tanto em política que se esquecem de se divertir. John Lennon, a certa altura da carreira, escolheu ser ativista. E eu dizia pra ele, John, você quer salvar o mundo, e eu só quero entretê-lo (risos)! Claro, entendo a política, tenho minhas opiniões, só não acho que a política caiba no rock.

É verdade que você con­verteu o Dave Mustaine, do Megadeth, em cristão?
Eu diria que o ajudei a sair das drogas. Sou um cristão praticante, e agora ele também é. Acho que, no momento em que ele conseguiu se livrar das drogas, começou a avaliar o que de fato era importante em sua vida. Ele já tinha carreira consolidada, já era uma estrela, mas isso não necessariamente o fazia feliz. As pessoas pensam que, assim que você se torna uma estrela, tudo fica perfeito, e não é bem assim. Você tem que ter uma boa família, estar bem consigo mesmo, e para mim – e acho que para o Dave também -, tudo só se ajustou no momento em que descobri meu relacionamento com Jesus Cristo. Foi só aí que me senti feliz, e tenho sido muito feliz desde então. Sou feliz em famí­lia, com os amigos, sou feliz no casamento, minha esposa e eu estamos juntos há 45 anos.

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