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Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019

© Divulgação/Cultura RJ

O Brasil conta com 100,1 milhões de leitores, em um universo de mais de 200 mi­lhões de habitantes, e esse grupo vem diminuindo com o passar do tempo. De acor­do com a última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita com dados de 2019, registrou-se uma dife­rença de 4,6 milhões de pesso­as em relação a 2015.

Os resultados da pesquisa, elaborada pelo Instituto Pró Livro e o Itaú Cultural, lem­bram alguns dos entraves para se manter o hábito de leitura no país, que voltam à tona em datas como a comemorada na quinta-feira (7), Dia do Leitor. A celebração é uma home­nagem à fundação do jornal cearense O Povo, criado em 7 de janeiro de 1928 pelo poeta e jornalista Demócrito Rocha.

Além do valor dos livros, que os tornam artigo de luxo para os mais pobres, e da correria do dia a dia, que acaba dificultando o hábito da leitura, ainda faltam recursos de acessibilidade.

Tal lacuna também é perce­bida em um dos formatos mais queridos dos brasileiros: os gibis ou as histórias em quadrinhos. Juntos, eles representam uma parcela significativa de material de leitura com que o brasileiro tem contato todos os dias ou pelo menos uma vez por sema­na, conforme revela a pesquisa.

Para obter os dados apre­sentados no levantamento do Instituto Pró Livro e do Itaú Cultural, equipes percorreram 208 municípios, entre outubro de 2019 a janeiro de 2020. Ao todo, 8.076 pessoas foram con­sultadas, sendo divididas entre leitores, que são aqueles que leram um livro integral ou par­cialmente nos últimos três me­ses, e não leitores, classificação que designa aqueles que decla­raram não ter lido nenhum li­vro nos últimos 3 meses, mes­mo que tenha lido nos últimos 12 meses.

A simpatia pela Turma da Mônica fica evidente nas res­postas. Os gibis foram uma das 37 obras mais citadas. Além disso, Maurício de Sousa, cria­dor dos personagens do gibi, também figura entre os autores mais lembrados e adorados.

Também se observa que, en­tre estudantes, a proporção de gibis e histórias em quadrinhos é maior (16%) do que a registra­da entre não estudantes (8%). A média nacional é de 8%.

Pode-se imaginar também que, ao estar na universidade, os jovens acabem abandonan­do os gibis e quadrinhos, mas acontece exatamente o oposto. Ao todo, 14% dos entrevistados com esse nível de escolaridade declararam que os leem, contra 13% das crianças que cursam o fundamental I (1º a 4º série ou 1º ao 5º ano), 12% dos que estão no ensino fundamental II (5º a 8º série ou 6º ao 9º ano) e 8% dos alunos do ensino médio.

Em relação à faixa etária, observa-se que os grupos que mais folheiam gibis e histórias em quadrinhos são pesso­as com 5 a 10 anos de idade (22%) e de 11 a 13 anos (21%). As que manifestam menos in­teresse são idosos com 60 anos ou mais (1%), com 50 a 59 (7%) e 30 a 39 (8%).

Obstáculos em traduzir histórias para pessoas com deficiência visual
A pesquisa Retratos da Lei­tura no Brasil também mostrou que 2% dos entrevistados classificados como não leito­res de livros informaram que a razão pela qual não leram nos últimos três meses foi porque têm problemas de saúde/visão. Entre os entrevistados qualifi­cados como leitores, a pergun­ta não foi aplicada.

Os obstáculos de se traduzir histórias em quadrinhos para pessoas com deficiência visual foi o enfoque dado pelo pesqui­sador Victor Caparica à sua tese de doutorado, desenvolvida na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). O trabalho venceu o Prêmio Unesp de Teses na categoria Sociedades Plurais.
Caparica perdeu, primeiro, a visão de um olho apenas, tornando-se o que se chama de monocular, até que, uma década depois, acabou ficando sem enxergar de modo absoluto.

Ele integra a parcela de 3,6% da população brasileira que tem deficiência visual. Conforme menciona o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa Nacional de Saúde, 16% das pessoas com esse tipo de deficiência apresentam um grau muito severo, que os impede de realizar atividades habituais, como ir à escola, trabalhar e brincar.

Segundo Caparica, a audio­descrição não é algo semelhante à tradução, mas consiste, “cate­goricamente”, em traduzir. Isso significa que implica o mesmo grau de percalços e questio­namentos de outros tipos de tradução, como a literária. O processo que se configura é “a transposição de um enunciado de uma perspectiva visual (que uma pessoa com deficiência vi­sual não pode avaliar) para uma perspectiva não-visual”.

“Não há nenhuma diferen­ça qualitativa ou quantitativa observável entre a tradução de uma pessoa que traduz um poema de um idioma para outro e uma audiodescrição, são os mesmos desafios, a mesma atividade, são as mesmas competências que se espera do profissional”, diz.

“Inclusive, na área de letras, é relativamente conhecido o termo da tradução intersemi­ótica e eu uso bastante essa expressão na pesquisa, que é justamente quando você está traduzindo um enunciado de uma forma de construção de sentido, que a gente chama de semiose, de uma semiose pra outra. Então, é de uma forma de construir significados pra outra forma de cons­truir significado.”

Em seu trabalho aca­dêmico, Caparica pontua que aproveitar a simples sucessão de quadros não seria o suficiente para uma narração, reflexão que fez a partir de sua dupla experi­ência, como leitor de histórias em quadrinhos visual e como consumidor do produto audio­descrito. E foi nesse sentido que desejou contribuir.

O pesquisador argumenta, ainda, que “a audiodescrição exige a cooperação entre um audiodescritor que enxerga e um consultor que não enxerga”. Por isso, para desenvolver sua tese, a companheira de Caparica, Letícia Mazzoncini Ferreira, for­mou-se como audiodescritora para colaborar com o projeto.

“Quem consome a audio­descrição não pode produzi-la, quem precisa, seu público-al­vo. E quem a produz não é seu público-alvo. Isso cria uma lacuna, um abismo comunica­cional que precisa ser su­plantado. É necessário que se construa uma ponte por cima desse precipício que separa o público da produção”, diz.

“Eu ainda consigo cumprir, como profissional, uma série de papéis da audiodescrição, por uma coincidência de elementos da minha formação pessoal e profissional, acabei acumulando algumas competências múlti­plas na área de audiodescrição. Além de ser consultor e produtor de conteúdo audiodescrito, sou também locutor profissional e também faço a parte de edição e mixagem de áudio. Então, três quartos do trabalho com a produção de audiodescrição eu, como público-alvo, consigo estar lá e fazer, mas esse um quarto que falta é o papel mais importante de todos, que é o de audiodescritor, que faz efetiva­mente a tradução”, emenda.

Audiodescrição pelo mundo
Caparica destaca, em sua tese, três localidades que con­sidera avançadas, em termos de audiodescrição: os Esta­dos Unidos, o Reino Unido e a Espanha. No território estadunidense, por exemplo, o rádio foi fundamental para a difusão desse tipo de técnica, que começou pelo teatro, com peças sendo transmitidas por diversas estações.

“Costumo dizer que a audio­descrição começou com o rádio. Aí, você vai dizer: radionovela. A radionovela não é o caso, porque já foi concebida para ser áudio, mas as locuções espor­tivas no rádio, não. O primeiro caso de audiodescrição profis­sional que você vai encontrar são os locutores futebolísticos, que faziam audiodescrição em tempo real do que estava acontecendo no estádio. Sem dúvida, o rádio teve, em muitos lugares, uma relação muito próxima com a audiodescrição e é ainda subutilizado nesse sen­tido. Se considerar a estrutura de pessoas que tem um radinho FM em casa e, mesmo quem não tem, quanto custa um hoje? Tem uma facilidade de estrutura e de se transmitir esse conteúdo de forma acessível e com tanta facilidade por essa mídia, acho que é muito subutilizada pelo que poderia ser, hoje, no sécu­lo 21”, pontua Caparica.

Enquanto nos Estados Uni­dos há uma lei federal que fortalece a consolidação do recurso, no Brasil, avalia ele, “a prática é incipiente”.

O que falta, afirma, é a ro­bustez e a estabilidade de polí­ticas públicas. Caparica afirma que a audiodescrição no país ainda precisa ser aprimorada, embora não esteja “estagnada” e que a capacitação profis­sional deve, necessariamente, contemplar demandas especí­ficas do idioma.

“Não existe, nunca existiu no Brasil uma política nacional para pessoa com deficiência. Política nacional não é projeto de governo, porque isso, esse partido faz e o próximo desfaz. Política nacional é como se teve, por exemplo, a de alfabetização no Brasil. Foi um projeto que foi abraçado e nenhum governo que veio depois achou que fazia sentido desfazer. ”

Por isso, toda iniciativa é sempre individual, pontual, é sempre quem consegue fazer alguma coisa e, dentro dessas possibilidades, dessa limitação, o que o Brasil conseguiu fazer foi produzir audiodescrição no começo desse século só, colocando a gente com certo atraso na coisa. A gente demo­rou muito para regulamentar a profissão de audiodescritor. Um curso de audiodescritor ainda não tem nenhuma regulamen­tação, então é feito de maneira muito informal. Os melhores, inevitavelmente, vão replicar o modelo de cursos do exterior já consagrados”, finaliza.

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