Na véspera do Dia da Independência da Ucrânia (em ucraniano: День незалежности), celebrado neste domingo, 24 de agosto, Ribeirão Preto foi palco de uma agenda do primeiro-secretário da Embaixada da Ucrânia no Brasil, Heorhii (Jorge) Erman. Durante sua passagem pelas universidades USP e Unaerp, nesta semana, ele compartilhou impressões diretas sobre os desdobramentos humanitários, econômicos e culturais da guerra em curso entre Rússia e Ucrânia — um conflito marcado por mortes, destruição em massa, deslocamento de milhões de pessoas e desafios ainda maiores à democracia e à geopolítica global.
Heorhii concedeu entrevista ao Tribuna Ribeirão apresentando sua visão desse cenário. “O preço da invasão russa são dezenas de cidades destruídas e centenas de aldeias arrasadas”, afirmou ao explicar os impactos mais significativos da guerra para a população ucraniana, especialmente no campo social, econômico e cultural.
“Embora Bakhmut, Soledar, Toretsk, Vovchansk, Marinka e várias outras cidades ucranianas existam no mapa, como resultado da agressão russa, não há mais casas onde as pessoas possam morar. Em uma cidade tão grande como Mariupol, que foi ocupada pelo exército russo em maio de 2022, mais de 80% dos edifícios residenciais foram destruídos. A Rússia está construindo novos [imóveis], mas, ao instalar pessoas deslocadas da Rússia lá, em troca, as moradias estão sendo retiradas dos cidadãos ucranianos”, disse Erman.
Nos territórios ocupados pelo exército russo, dezenas de milhares de cidadãos ucranianos tornaram-se vítimas de arbitrariedade e repressão pelas autoridades russas. Mais de 16 mil civis ucranianos estão em prisões russas como prisioneiros políticos. O exército russo também sequestrou e levou mais de 19.000 crianças para várias regiões russas. Durante toda a guerra, conseguimos devolver apenas cerca de 1.500 dessas crianças sequestradas, principalmente graças à mediação do Catar, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Turquia e Vaticano. Esses mesmos Estados auxiliam no retorno de prisioneiros de guerra que são submetidos à violência e tortura em cativeiro russo.
Além disso, cerca de 6 milhões de ucranianos receberam abrigo temporário nos países da UE, Canadá, EUA e outros. Centenas de ucranianos chegaram ao Brasil e, graças à decisão do governo brasileiro, receberam um visto humanitário e, em seguida, o direito de residência temporária, pelo qual os ucranianos se dizem gratos. Também na Ucrânia, mais de 4,6 milhões de ucranianos são deslocados internos — pessoas que perderam suas casas e tiveram que começar nova vida sem se mudar para outro país.
“Podemos falar de 4.063 instituições de ensino, a maioria escolas, que o exército russo destruiu e danificou até julho de 2025. 387 delas foram completamente destruídas. Entre hospitais e instalações médicas, mais de 300 foram completamente destruídos e outros 2.000 foram danificados. A Rússia também está se esforçando para destruir a economia ucraniana, como o mais recente ataque com mísseis esta semana a uma fábrica de eletrônicos na cidade de Mukachevo, que pertence a uma empresa americana”, explicou Heorhii.
Do ponto de vista humanitário, todos os esforços da Ucrânia estão voltados para prestar assistência à população que perdeu suas casas e às crianças vítimas da guerra — durante a guerra, mais de 630 crianças morreram e mais de 2.000 ficaram feridas, com gravidade variada. “Não se trata apenas de assistência psicológica, que é muito importante, mas também da adaptação social dos feridos. A Ucrânia é grata a todos os países que acolhem crianças que sofreram durante a guerra para descanso. Seremos gratos aos estados e cidades do Brasil que também desejam ajudar as crianças vítimas da guerra”, afirmou o diplomata.
Sobre a configuração geopolítica mundial, Heorhii disse que a situação está se deteriorando. “A tentativa da Rússia de alterar as fronteiras de forma criminosa, violando todas as normas do direito internacional, criou um precedente perigoso para o mundo inteiro. Devemos destacar o papel dos países da UE, Reino Unido, EUA, Japão, Noruega e vários outros Estados democráticos no apoio à Ucrânia, fornecendo assistência financeira e militar para que a economia ucraniana pudesse funcionar e o exército ucraniano pudesse defender o país. Vários desses países impuseram sanções contra a Rússia para que ela parasse a guerra.”
No entanto, Erman alertou que essas sanções não são suficientes porque alguns grandes países não ocidentais continuam a comprar petróleo, gás, carvão, diamantes ou fertilizantes da Rússia, o que financia a continuidade do conflito. “A Rússia também concentrou sua propaganda nos países da África, América Latina e Ásia. Temos o exemplo da agência Sputnik Brasil no Rio de Janeiro, que dissemina o ódio contra ucranianos e a Ucrânia. Parece que seus funcionários querem ter a mesma fama que os funcionários da Rádio Thousand Hills em Ruanda, que ajudaram a cometer o genocídio em 1994.”
Heorhii afirmou ainda que a Rússia usa parcerias com países como o Brasil para “branquear sua imagem sanguinária”, porque o Brasil tem uma imagem pacífica e tradição diplomática. “Mas o principal canibal da modernidade, que é a Rússia, definitivamente não pensa na paz do planeta, mas apenas em conquistar e restaurar o império”, declarou.
Quanto às perspectivas de desfecho, Heorhii disse que, desde março de 2025, a Ucrânia está pronta para um cessar-fogo e, posteriormente, para o início das negociações de paz. “No entanto, a Rússia não quer o cessar-fogo, visto que a liderança russa deseja conquistar ainda mais territórios e acredita ter uma vantagem sobre a Ucrânia neste momento em termos de número de tropas e armas. Portanto, a liderança russa está interessada apenas em atrasar o processo de negociação, a fim de continuar a conquista e matar ainda mais pessoas. A liderança russa está apresentando ultimatos que não podem ser cumpridos, como a exigência de entregar, por exemplo, a região de Donetsk integralmente. A Rússia sabe muito bem que o povo ucraniano não tomará tal medida.”
Nessas circunstâncias, Heorhii ressaltou a necessidade da presença e mediação do Brasil nas negociações sobre o retorno de crianças ucranianas sequestradas ou prisioneiros de guerra, para pressionar a Rússia a encerrar a guerra. “No entanto, infelizmente, não vemos atualmente um papel ativo da diplomacia brasileira nesse processo”, concluiu.

