André Luiz da Silva *
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O mês de maio carrega consigo acontecimentos que moldaram profundamente a história da humanidade. Um dos mais marcantes é, sem dúvida, a assinatura do Instrumento da Rendição Alemã, documento que oficializou o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. Comemorada até hoje como a vitória dos Aliados sobre o regime nazista, essa conquista marcou o encerramento de um conflito que, entre 1939 e 1945, devastou quatro continentes — Europa, África, Ásia e Oceania —, deixando um saldo de mais de 60 milhões de mortos e incontáveis mutilados e feridos.
Contudo, a paz que se seguiu não unificou o mundo. Ao contrário, emergiu uma Europa dividida e marcada pela tensão. A Alemanha foi cortada ao meio: de um lado, a República Federal da Alemanha (RFA), democrática e capitalista, com capital em Bonn e alinhada ao Ocidente; de outro, a República Democrática Alemã (RDA), sob regime comunista e com capital em Berlim Oriental, subordinada à influência soviética. A separação ideológica se tornou física com a construção do Muro de Berlim, símbolo da Guerra Fria que perduraria por 45 anos.
Nesse contexto, nascia também a Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945 com a missão de preservar a paz mundial, fomentar a cooperação entre os povos, promover os direitos humanos e prevenir novos conflitos. Mas apesar dos avanços tecnológicos e diplomáticos, a humanidade continuou a conviver com guerras e disputas constantes. A Guerra Fria deu lugar a novos confrontos, e ainda hoje as manchetes oscilam entre promessas de paz e ecos de destruição.
Naquele mesmo período, a Igreja Católica era liderada por Pio XII, figura envolta em controvérsias. Acusado por alguns de omissão diante dos horrores do nazismo, é também defendido por outros como alguém que, nos bastidores, agiu para proteger judeus e perseguidos. Oito décadas depois, em um novo maio histórico, a Igreja apresenta Leão XIV — o cardeal Robert Prevost — como o primeiro papa norte-americano da história. Em sua saudação inicial ao mundo, propôs “a paz de Cristo ressuscitado, uma paz desarmada, uma paz desarmante, humilde e perseverante, que provém de Deus, Deus que nos ama todos, incondicionalmente”. Ele usou por dez vezes a palavra “paz” e propôs uma Igreja missionária, aberta, dialogal e caridosa.
Enquanto o mundo celebra a derrota do nazismo, testemunha-se, com inquietação, o ressurgimento de sua ideologia. Grupos neonazistas ganham espaço em diversos países, disfarçando antigos ódios em novos discursos inclusive utilizando a música como instrumento de propagação. No Brasil, existem ao menos 125 bandas ligadas a essa ideologia — especialmente em São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro — que propagam o ódio contra mulheres feministas, negros, judeus, católicos, anarquistas e a comunidade LGBTQIAP+.
Que o apelo do Papa Leão XIV por uma Igreja que “constrói pontes” inspire também os líderes do mundo. Que sejamos capazes de escolher o diálogo em vez da violência, o acolhimento em vez do preconceito. Porque lembrar o passado só faz sentido se nos ajudar a transformar o presente. O maior tributo às vítimas da guerra é a construção de um tempo em que a paz não seja apenas celebrada, mas vivida — com coragem, compaixão e justiça.
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista