José Eugenio Kaça *
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“Aquela esperança de tudo se ajeitar, pode esquecer…”. É uma frase, que faz parte da música “Trocando em Miúdos”, composição de Chico Buarque e Francis Hime, que retrata bem o momento que estamos vivendo. A esperança sempre fez parte do ideário do povo brasileiro que vive nas periferias pobres, tendo que acordar às três horas da madrugada, enfrentar mais de duas horas no transporte coletivo sempre lotado, enfrentando muitas vezes condições de trabalho insalubre, receber um salário mínimo, e ainda agradecer por estar empregado. Carregam o País nas costas recebendo um salário miserável, e com isso ajudam seu patrão a amealhar seus milhões, e depois serem chamados de vagabundos e preguiçosos por parte destes empresários, que afirmam não conseguem contratar novos trabalhadores, pois os mesmos preferem ficar recebendo os benefícios do governo federal, como o Bolsa Família, BPC e outros. E na visão destes nobres senhores “é preciso acabar com estas gastanças, só assim o Brasil vai melhorar”.
A CLT (Consolidação da Leis do Trabalho), Promulgada em 1943, conseguiu proteger parte dos trabalhadores dos trabalhadores urbanos, está sendo delapidada com as reformas trabalhistas. A CLT, não estendeu sua proteção ao trabalhador do campo, e na esperança de alcançar está proteção vieram em massa para os grandes centros urbanos, e este êxodo sem nenhum planejamento do campo rumo as cidades grandes e médias, criou o fenômeno do favelização, e está favelização ajudou os grandes proprietários rurais a aumentar seus rendimentos.
Ao se dirigirem para as cidades, a esperança destes trabalhadores era ter uma vida melhor, com o mínimo de conforto, ver os filhos estudarem; enfim ter cidadania, entretanto, a realidade se impôs, e aquela esperança ficou esperando. A maioria sem emprego foi morar em favelas, e para sobreviver tiveram que voltar ao trabalho no campo, mas não como era antes; agora serão trabalhadores volantes, que vão trabalhar no corte da cana de açúcar, e não contratados pelos fazendeiros, mas sim por atravessadores de mão de obra – chamados de “gatos”, que ficavam com a parte do leão. Estes trabalhadores acordavam às quatro horas da madrugada, e preparavam suas marmitas, (muitas vezes só feijão e arroz), embarcavam na carrocerias de caminhos, amontoados, sem uma lona de proteção, passado frio e pegando chuva.
Mas a situação melhorou quando colocar umas tábuas para servirem de bancos, e cobriram os caminhões com uma lona. Os constantes acidentes com estes trabalhadores, que causou centenas de mortes, obrigou os governantes a criarem algumas leis para proteger a vida destes trabalhadores, e passaram a ser transportados por ônibus, mas para varear eram ônibus sucateados. Estes trabalhadores, não tinham um local para fazer suas refeições, e nem banheiros para fazer suas necessidades fisiológicas – era no mato mesmo. Por não ter um local para esquentar seu almoço, eram chamados pejorativamente de boias-frias. Naquele tempo era costume dos produtores tocar fogo nos canaviais, e estes trabalhadores chegavam de tarde no ponto de desembarque cobertos de fuligem.
Ganhavam por metro cúbico de cana cortada, mas eram sempre enganados nesta medição. Com o passar do tempo estes trabalhadores começaram e encontrar novas formas de trabalho, e aquela mão de obra farta começou a ralear. A solução foi trazer trabalhadores de outros estados. A produtividade destes trabalhadores aumentou, e começaram a levar algum dinheiro a mais para seus familiares – e isso não agradou. Achando que os trabalhadores estavam ganhando dinheiro demais, e para cortar estes “privilégios” mantiveram o preço, mas aumentaram o volume de cana cortado, e para o trabalhador alcançar os mesmos ganhos, teria que cortar duas ou três vezes a mais de cana para ter o mesmo rendimento financeiro. E essa crueldade fez muito trabalhador morrer de exaustão no canavial.
Está semana um empresário que ficou bilionário se aproveitando do Estado, falou a mesma frase depreciativa sobre a classe trabalhadora. “Não consigo contratar trabalhador por causa do Bolsa Família”. Para essa gente, as condições de trabalho dos cortadores de cana-de-açúcar (boias-frias) é um bom exemplo da eficiência para o lucro, e querem que o trabalhador só ganhe pelas horas trabalhadas. É a escravidão 2.0!
* Pedagogo, líder comunitário e ex-conselheiro da Educação