Rodrigo Gasparini Franco *
[email protected]
A discussão sobre o uso das vagas de estacionamento localizadas em áreas de recuo frontal de estabelecimentos comerciais é tema recorrente em cidades brasileiras e costuma gerar dúvidas tanto entre motoristas quanto entre comerciantes. Afinal, essas vagas são de uso exclusivo do estabelecimento ou podem ser utilizadas por qualquer cidadão? A resposta envolve uma análise cuidadosa da legislação, da doutrina e das decisões dos tribunais.
O recuo frontal é o espaço entre a fachada do imóvel e a calçada, normalmente exigido pelas normas urbanísticas para garantir afastamento da construção em relação à via pública. Muitas vezes, esse espaço é aproveitado para estacionamento de veículos, o que gera dúvidas sobre quem pode utilizá-lo. Embora o terreno pertença ao proprietário do imóvel, a ausência de barreiras físicas, como cancelas, portões ou correntes, faz com que o recuo frontal aberto seja considerado, na prática, uma área privada de uso público.
A legislação federal, especialmente o Código de Trânsito Brasileiro e a Resolução 965/2022 do Conselho Nacional de Trânsito, é clara ao proibir a destinação de parte da via pública para estacionamento privativo, salvo exceções específicas, como vagas para idosos, pessoas com deficiência, ambulâncias e táxis. O entendimento predominante é que, quando o recuo frontal está aberto e não há qualquer tipo de controle de acesso, ele se torna uma extensão da via pública, mesmo estando dentro dos limites do terreno privado. Isso significa que o espaço, embora pertença ao proprietário, está destinado ao uso coletivo e não pode ser apropriado de forma exclusiva pelo estabelecimento comercial.
A doutrina e a jurisprudência dos tribunais brasileiros reforçam essa interpretação. Diversas decisões judiciais já reconheceram que vagas de recuo frontal abertas e sem qualquer tipo de barreira não podem ser reservadas apenas para clientes, pois configuram uma extensão da via pública. O Ministério Público do Tocantins, por exemplo, já se manifestou nesse sentido, determinando que estacionamentos recuados nas calçadas devem ser acessíveis a qualquer cidadão, e não apenas aos frequentadores do estabelecimento. Pareceres de conselhos estaduais de trânsito, como o de Santa Catarina, também destacam a impossibilidade de reservar vagas em recuo frontal para uso exclusivo de clientes, reforçando o caráter coletivo dessas áreas.
A exceção ocorre quando o estacionamento está dentro do terreno do imóvel e possui controle de acesso, como uma cancela, portão ou corrente. Nesses casos, a área deixa de ser considerada de uso público e passa a ser efetivamente privada, permitindo ao proprietário restringir o acesso apenas a clientes ou pessoas autorizadas. O controle físico do acesso descaracteriza o uso coletivo e legitima a restrição, pois o espaço deixa de estar disponível para o público em geral.
É importante ressaltar que as regras sobre estacionamento em vias terrestres não fazem parte do escopo do Direito Urbanístico, mas sim do Direito de Trânsito. A competência para legislar sobre o tema é privativa da União, estando definida no Código de Trânsito Brasileiro. Assim, mesmo que os códigos de obras municipais permitam a construção de estacionamentos no recuo frontal e estabeleçam limites para o rebaixamento da guia ou para o número de vagas, não cabe à legislação municipal autorizar a exclusividade dessas vagas para clientes de estabelecimentos comerciais quando o recuo está aberto e sem controle de acesso.
Portanto, a regra geral é que vagas localizadas em áreas de recuo frontal abertas e sem barreiras físicas são consideradas áreas privadas de uso público. Qualquer cidadão pode estacionar nesses espaços, e o estabelecimento não pode restringir o uso apenas a seus clientes. A apropriação exclusiva só é permitida quando há controle efetivo de acesso, transformando a área em espaço privado de fato. Essa compreensão busca equilibrar o direito de propriedade com o interesse coletivo, promovendo o uso democrático do espaço urbano e evitando conflitos desnecessários entre comerciantes e a população.
* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

