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Furtos de motos crescem quase 90% em 2022

Adalberto Luque

Passava das 12 horas do domingo, 12 de fevereiro. Um homem chega em sua casa, na Rua Antônio Milena, Campos Elíseos, zona Norte de Ribeirão Preto. Está com uma motocicleta Kawasaki Z750, comprada com muito sacrifício. Sobe com a moto na calçada para abrir o portão da casa e entrar com o veículo e as compras que carregava. Neste momento, dois homens chegam em outra moto. O piloto se aproxima com uma arma apontada para o motociclista na calçada. O garupa desce, apanha a arma do comparsa e vai na direção do homem, que não esboça nenhuma reação. O outro se atrapalha um pouco, mas consegue parar a moto.

Ladrões armados levam motocicleta nos Campos Elíseos (Foto: Reprodução Câmera de Segurança)

Os dois descem e, de forma agressiva, apanham o celular e documentos da vítima. Um dos assaltantes sobe na moto e dá partida. Parando pouco adiante espera o comparsa, que se atrapalha. Ele deixa a moto em que estavam cair. A vítima tenta pegar o revólver do assaltante, mas é novamente ameaçado. O bandido atrapalhado larga a moto em que estava e vai embora, subindo na garupa da moto que acabaram de roubar e deixando a outra caída na rua. A moto que usaram para o assalto também era roubada. E, na mesma rua, dois dias antes, em 10 de fevereiro, outro roubo a moto foi registrado, um quarteirão acima.

O roubo ilustra bem o resultado de uma pesquisa divulgada pelo Boletim Tracker-Fecap, com estudos feitos junto aos dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP): o estado de São Paulo registrou 30% a mais de roubos e 42% a mais de furtos de motocicletas em 2022, em comparação com o ano anterior.

Mercado de peças

Para Vitor Corrêa, o comércio ilegal de peças é o principal motivador (Foto: Grupo Tracker/Divulgação)

Boa parte das motocicletas furtadas ou roubadas no estado acabam sendo utilizadas em outros crimes. Mas, segundo o coordenador do Comando de Operações do Grupo Tracker, Vitor Corrêa, o destino principal é mesmo abastecer o mercado clandestino de peças.

“O comércio ilegal de peças é o principal motivador. Com veículos que chegam a custar na casa dos 6 dígitos, a falta de fiscalização desses locais e a falta de consciência da sociedade em exigir a nota fiscal na compra de uma peça usada contribuem para o crescimento constante deste mercado ilícito”, afirma. Ele acrescenta que a expansão de empresas do ramo e-commerce, aplicativos de entregas e até mesmo a popularização do home office contribuíram diretamente para impulsionar a exposição de veículos desta categoria nas ruas e os delitos de roubo e furto aumentam, proporcionalmente.

Mas a pesquisa constatou que o crescimento dos delitos atingiu as motos de baixa e de alta cilindrada, o que indica que outras finalidades também estimularam a busca por furto e roubo de motocicletas.

Erivaldo Vieira: motos furtadas ou roubadas são usadas em golpes de extorsão mediante sequestro, aplicativo do amor e outros (Foto: Fecap/Divulgação)

“O crescimento de crimes concorrentes como extorsão mediante sequestro (PIX) e Golpe do Aplicativo de Amor também colaboram com a elevação dos roubos e furtos de motos, por desviar recursos materiais e humanos da segurança pública para coibir esses crimes”, corrobora Erivaldo Costa Vieira, coordenador do Departamento de Pesquisas em Economia do Crime da Fecap e responsável pela pesquisa.

Pelos dados obtidos, o pesquisador concluiu que dezembro foi o mês mais perigoso, tanto na modalidade de furto, quando na de roubo de motocicletas. Para Vieira, “há uma tendência sazonal nos dados, com os meses de dezembro tendo ocorrências mais elevadas e os meses de julho com menos ocorrências. Esta informação pode ser útil para aplicar medidas preventivas eficazes e ajustar estratégias de segurança para a região em questão.”

O estado teve 13.797 motocicletas roubadas em 2022, contra 10.600 em 2021, representando um aumento de 30% no total de casos. Já as motos furtadas tiveram 25.665 registros, contra 18.027 no ano anterior, uma alta de 42% nos casos.

As preferidas

Duas motos estão entre as preferidas pelos criminosos, tanto na modalidade furto, quanto nos casos de roubo. A líder dos dois rankings é a Honda CG 160 Fan. Em 2022, 3.384 motos deste modelo foram furtadas e outras 1.391 foram roubadas.

A preferência dos bandidos se explica. Segundo o site especializado Notícias Automotivas, dentre as motos mais vendidas do Brasil a Honda é líder absoluta, com 75,52% de market share – termo usado para designar a quantidade absoluta e relativa de mercado detida por uma organização -, sendo o único no mundo em um mercado de grande tamanho, como o nosso. Aqui, a marca se tornou sinônimo em motocicleta, dada a predileção do consumidor, informa o site.

Depois aparece a Honda CG 160 Titan, com registro de 1.958 casos de furto e 724 de roubo. A partir daí, o ranking se modifica. Do terceiro ao sétimo lugar no ranking das preferidas para furto, estão, respectivamente, a Honda GG 160 Start, Honda PCX 150, Yamaha FZ25 Fazer e Honda CG 150 Titan KS;

Já as mais procuradas pelos assaltantes que levam as motos a força, estão a Yamaha FZ25 Fazer, Honda CG 160 Start, Yamaha MT 03 ABS e a Yamaha XTZ250 Lander.

Para Vieira, da Fecap, essa preferência demonstra a lógica capitalista, onde o objetivo é o lucro. “Por isso, os modelos mais visados são os de menor cilindrada e preço, pois há uma grande quantidade desses veículos no mercado, o que gera uma demanda elevada por peças de reposição. Dessa forma, os criminosos encontram facilidade para vender rapidamente essas peças, obtendo lucro”, acrescenta.

Ribeirão Preto

Se os números obtidos em todo o estado preocupam, a situação em Ribeirão Preto parece ser ainda mais grave. em 2022, os roubos de moto cresceram 50,95% em relação a 2021. Foram registrados 166 roubos, contra 106 no ano anterior, de acordo com a pesquisa.

Situação ainda mais grave ocorreu em relação aos furtos de motos registrados na cidade. Em 2022 foram 462 casos, contra 244 no ano anterior, o que representou um crescimento de 89,4% nas ocorrências criminais. No total, 628 motocicletas foram furtadas ou roubadas em 2022. Quase dois casos a cada dia.

E num momento em que o transporte coletivo de Ribeirão Preto tem sido criticado por problemas como atrasos e idade da frota, a motocicleta tornou-se opção de transporte para muitos que, sem condições de ter um automóvel, acabaram optando pela motocicleta para utilizar como meio de locomoção.

Há ainda os que optaram pela moto para tentar ganhar seu próprio sustento, seja fazendo entregas, seja como mototaxista. Isso colocou muito mais motos no mercado, sobretudo no período de pandemia e pós-pandemia.

De acordo com levantamento da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), o emplacamento de novas motocicletas no Brasil registrou um crescimento de 17,7%.

Andreta Júnior: “importância como ferramenta de trabalho para entregas e para deslocamentos urbanos” (Foto: Fenabrave/Divulgação)

Segundo o presidente da Fenabrave, José Maurício Andreta Júnior, 2022 foi o ano de consolidação do segmento, seja como veículo de trabalho ou como transporte individual, econômico e seguro, do ponto de vista sanitário. “Foram mais de 1,3 milhão de motocicletas emplacadas, sendo que o subsegmento city registrou um aumento de mais de 1,5% de participação no mix, o que reforça sua importância como ferramenta de trabalho para entregas e para deslocamentos urbanos”, avaliou Andreta Júnior.

Com mais motos circulando, aumentou a necessidade de peças de reposição. E os criminosos enxergaram um segmento próspero para ganhos rápidos e fáceis. Assim, mesmo com uma motocicleta relativamente velha, com quase 20 anos, Henrique Gouveia da Silva, funcionário de uma universidade, teve a sua, um modelo Fan de 2006, furtada e figurou nas estatísticas criminais.

“Estava estacionada quase na porta da faculdade onde trabalho. Foi muito rápido. Parecia que estava destravada. Um homem chegou e levou meu meio de transporte. Eu usava ela para trabalhar. Agora vivo dependendo da sorte dos ônibus não atrasarem ou não quebrarem para ir ao trabalho”, lamenta. Sua moto foi furtada em 22 de fevereiro deste ano e ainda não foi encontrada.

SSP destaca intensificação de ações

A Secretaria da Segurança Pública se manifestou em nota. “As ações para a redução dos roubos e furtos de veículos foram intensificadas com fiscalização em desmanches, ferros velhos e locais de comercialização de peças automotivas para a identificação e prisão de integrantes de quadrilhas especializadas nestes crimes e também na receptação de motos, efetuando-se prisões, lacrações e multas em diversos estabelecimentos comerciais. Somente em janeiro deste ano, 84 veículos foram recuperados em Ribeirão Preto. No primeiro bimestre, as polícias paulistas prenderam, em todo o estado, 4.804 suspeitos por roubo de veículos, incluindo motocicletas. Além disso, o policiamento preventivo segue intensificado por meio da ‘Operação Impacto’, com mais de 17 mil policiais militares nas ruas. Até 14 de março deste ano, foram 14.338 pessoas detidas e 3,2 mil veículos recuperados no estado.”

 

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