Tribuna Ribeirão
Cultura

Mostra reúne 300 réplicas de peças concebidas na Vkhutemas, a Bauhaus russa

Por Antonio Gonçalves Filho

Um ano depois da Revolução Russa (1917) e da formação do governo provisório foi criada em Moscou a IZO (Oficina de Artes Visuais) sob a supervisão do Nakompros, departamento soviético responsável pela administração da educação pública. Em 1918 começou, então, a funcionar uma escola de artes e design que, fechada depois por Stalin, em 1931, serviu de modelo para outras importantes instituições fora da ex-URSS (como a alemã Bauhaus). Ela se chamou Vkhutemas e, após sua liquidação pelo regime stalinista, foi reorganizada com outras instituições artísticas sob controle do Partido Comunista. Sua história é contada de maneira bastante original na ambiciosa exposição Vkhutenas: O Futuro em Construção, que será aberta hoje, à 20 horas, nas oficinas de criação do Sesc Pompeia.

Original porque nunca antes foi pensada no Brasil uma ampla mostra que remontasse alguns dos projetos desenvolvidos pelos professores dessa escola, que estão entre os maiores artistas experimentais da vanguarda soviética de um século atrás: Maliévich, Ródtchenko, Tátlin, El Lissítzki, Lidia Komárova, Liubov Popova e Várvara Stepánova. São 75 os mestres reunidos na mostra, entre designers e arquitetos ligados a correntes artísticas que firmaram a abstração e o construtivismo no mundo ocidental.

Num esforço monumental de artistas brasileiros convocados pela dupla de curadores Celso Lima e Neide Jallageas, foram produzidos aqui 300 projetos desenvolvidos na Vkhutemas nos anos 1920, entre maquetes arquitetônicas de Lidia Komárova, tecidos desenhados por Popova, cartazes elaborados por Ródtchenko (para filmes de Eisenstein, entre outros), trajes e figurinos de Stepánova, peças de porcelanas criadas por Maliévich e seus alunos e até uma réplica com mais de dois metros de altura da torre de Tátlin, de 1919/20, concebida como um monumento maior que o Empire State Building, mas nunca construída.

Tátlin trabalhou pouco com os construtivistas, até mesmo porque as formas orgânicas eram a plataforma de seu projeto de design. No construtivismo, a ênfase na geometria e na técnica – que substituiria o “estilo”, herança burguesa – fez de duplas como Ródtchenko e o poeta Maiakóvski modelos de um método revolucionário de design em tipografia, que introduziu nada menos que a fotografia na elaboração de capas de livros e do pôster-propaganda, muito utilizado na época para promover mudanças políticas e sociais.

“A Vkhutemas, alinhada com as correntes futuristas, construtivistas e suprematistas, operava como um centro de experimentação, em que a criação artística não se desvinculava do projeto de uma nova sociedade, o que explica, por exemplo, que a escola tenha formado, nos anos 1920, mais de 30 mulheres arquitetas, como Lidia Komárova, que assinou o projeto do Komintern”, lembra a curadora Neide Jallageas, citando a admiração que o arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright tinha por sua obra. Tanto é verdade que o Museu Guggenheim, em Nova York, último projeto de Wright (1959), não seria possível sem a referência dos anéis circulares antes desenhados por Komárova, cita a curadora.

Com a mudança do regime na Rússia e a introdução de uma nova ordem ditada pela industrialização, responder aos apelos do governo para fomentar os valores comunitários fez com que o programa dos professores da Vkhutemas se voltasse para as artes aplicadas. Ródtchenko, comunista de primeira hora e defensor da transformação do artista em técnico, tinha, evidentemente, uma noção de arte bem diferente de Kandinski, que deveria liderar uma escola semelhante, a de Inkhuk, mas acabou por não ver nenhum programa educacional seu instituído em seu país natal. Foi para a Alemanha e assumiu, em 1922, a cadeira de pintura na Bauhaus, em Weimar, a convite de seu fundador, Walter Gropius.

Ródtchenko ficou e desenhou até macacões com grandes bolsos no torso e no quadril, que poderiam ser usados indiferentemente por operários de ambos os sexos. Alguns desses trajes, com croquis de Stepánova, foram refeitos aqui no Brasil, assim como suas estamparias com motivos geométricos de caráter construtivista. “Muitas da propostas pedagógicas da Vkhutemas chegaram a ser seguidas na Bauhaus, mas não há esse reconhecimento no mundo ocidental”, observa o curador Celso Lima, lembrando que mestres saídos da escola soviética fizeram parte do corpo docente da escola alemã, fechada pelos nazistas em 1933 sob a acusação de ser um “antro de bolcheviques”.

VKHUTEMAS

Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93, tel. 3871-7759. 3ª a 6ª, 10h/21h30 Sáb., dom. e feriados, 10h/18h. Grátis. Até 30/9.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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