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O carnaval é a maior caricatura

Em 1983, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro apresentou o enredo “Traços e Troças” em homenagem aos caricaturistas. O samba dos compositores Bala e Celso Trindade desta­cava a criatividade e a importância daqueles artistas que através de seus traços faziam importante crítica social, muitas vezes censurada pela política. Apesar do oitavo lugar, o refrão ficou marcado “O carnaval é a maior caricatura, na folia o povo esquece a amargura”.

A caricatura é um tipo de desenho produzido com o objetivo de realçar as características de pessoas, animais ou objetos. Elas recriam retratos bem-humorados, cômicos ou irônicos, especialmente aspectos físicos ou comportamentais. Quem nunca viu no jornal um político ou celebridade tendo realçado seu topete, careca, nariz ou gesto particu­lar? As caricaturas geralmente são recebidas com muito humor, exceto para quem é seu alvo ou para seus admiradores. Um triste exemplo foi o cruel assassinato de jornalistas chargistas do jornal francês Charlie Hebdo, que fizeram caricatura do profeta Maomé, o que para o isla­mismoé uma blasfêmia.

Ultimamente os caricaturistas, chargistas e profissionais do humor têm encontrado campo fértil no cenário político nacional especialmente com o presidente e seu ministro da saúde. Eduardo Pazuello em audiên­cia no Senado afirmou que o Ministério da Saúde não fez protocolo para uso de medicamentos em tratamento precoce, mentiu, pois na verdade ele assinou em maio o protocolo autorizando a prática.

O general permaneceu inerte diante da fala de um senador que classificou sua exposição na abertura da sessão como “um misto de ignorância e mentira.” Na tentativa de demover os senadores do desejo de abertura de CPI, o ministro usou uma inadequada analogia entre o enfrentamento do Brasil do Coronavírus e a Alemanha de Adolf Hitler e que a abertura de uma frente de batalha política poderá produzir mais mortes. Parece querer esquecer que é sua responsabilidade a preservação da vida dos brasileiros.

Se carnaval é tempo de esquecer as amarguras, como fazer neste ano em que a festa foi cancelada? Primeiro lembremos que isso já ocorreu em 1892, quando o ministro do interior alegou que a festa gerava muito lixo e junho seria um mês “mais saudável” e depois em 1912, pelo luto em razão da morte do Barão do Rio Branco. Naquelas oportunidades o povo não obedeceu e acabou celebrando duas vezes.

Se antes já não seguiram a orientação oficial, o que esperar agora quando o próprio governo menosprezou a doença e as medidas de distanciamento social e incentivou aglomerações? Mesmo diante do cenário pandêmico, várias festas clandestinas já estão sendo organizadas.
Não há dúvidas que o carnaval deveria ser cancelado em nome de saúde pública e da preservação da vida, mas deixará saudades para mui­tos. A economia sentirá o impacto na paralização da grande indústria onde milhões de turistas movimentam aeroportos, rodoviárias, hotéis, bares e restaurantes, que em 2020 gerou R$ 8 bilhões e a criação de 25,4 mil vagas de empregos temporários.

Sem confete e serpentina, palhaços e homens travestidos; Pierrô, Arlequim e Colombina; desfile das escolas de samba com suas alas, passistas, ritmistas, fantasias, carros e alegorias, como será esse ano? Provavelmente sentiremos saudade da alegria e descontração dos três dias de folia, antecedendo a Quaresma.

Parece que estamos vivendo uma prolongada Quarta-feira de Cinzas e como na marcha homônima de Vinicius de Moraes “Ninguém ouve cantar canções, ninguém passa mais brincando feliz. E nos corações sau­dades e cinzas foi o que restou. Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê, que nem se sorri, se beija e se abraça… a tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar, todos vão sorrir… Quem me dera viver pra ver e brincar outros carnavais”.

Mascarados, com esperança na vacina e na conscientização, sentire­mos saudades principalmente dos mais de 236 mil amigos e familiares que morreram na pandemia. Só não sentiremos saudades dos gestores caricatas que temos atualmente.

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