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Ponte para a imortalidade


Conceição Lima *



Eis aí FINADOS, a data em que se celebra a memória e a finitude humanas. O Dia de Finados é uma tradição cristã dedicada à lembrança dos mortos, um momento de reflexão sobre a morte como parte natural da vida. Nesse contexto, a morte é o mistério da passagem e do reencontro com o divino, algo a ser acolhido com naturalidade e reverência.Todavia, estes novos tempos de Inteligência Artificial trazem a inusitada proposta de superação da morte através da tecnologia.

Ambas as visões focam polos opostos a respeito do destino humano: uma aceita o fim, a outra tenta vencê-lo.

A proposta futurista da imortalidade tem nos sido apresentada principalmente pelo engenheiro Raymond Kurweil, Diretor de Engenharia do Google desde 2012, um inventor, escritor e futurista norte-americano, conhecido por suas previsões ousadas sobre o futuro da tecnologia.

Ele prevê que a imortalidade humana poderá ser alcançada até 2030, impulsionada por avanços em Inteligência Artificial, Nanotecnologia e Biotecnologia.

Ray Kurweil enxerga a tecnologia como extensão da consciência humana, capaz de transformar radicalmente a saúde, a longevidade e a identidadedas pessoas, com base nos seguintes pilares:
•

Advento da Singularidade Tecnológica – Kurzweil prevê que, por volta de 2045, a Inteligência Artificial ultrapassará a inteligência humana em todos os aspectos.

A partir desse ponto, a IA poderá melhorar a si mesma exponencialmente, acelerando descobertas científicas e médicas.
• Nanotecnologia e reparo celular – Ele acredita que nanorrobôs serão capazes de circular pelo corpo humano, reparando células danificadas, combatendo doenças e até revertendo o envelhecimento.Isso permitiria a manutenção contínua do corpo, como se fosse um sistema de atualização biológica.
• Upload da mente – Uma das ideias mais ousadas de Kurzweil é a possibilidade de transferir a consciência humana para suportes digitais, criando versões imortais de nós mesmos.
• Longevidade radical -Kurzweil afirma que até 2030 já teremos tecnologias capazes de estender a vida indefinidamente, desde que sobrevivamos até lá com hábitos saudáveis e acesso a tratamentos emergentes.

Temos aí a “ponte para a imortalidade”: viver o suficiente para aproveitar os avanços que virão.

Eis que, para os cientistas como Kurweil, a morte é vista como falha técnica, algo que pode ser corrigido, não como mistério, mas como obstáculo.Aliás, ele defende há décadas a ideia de que a tecnologia nos levará a um ponto de transformação radical da condição humana.

Ao compararmos, filosoficamente falando, o Dia de Finados com a suposta imortalidade via IA, temos que, para Finados, a morte é um mistério sagrado que faz parte da vida, de natureza espiritual e simbólica, sendo necessária a aceitação dessa finitude; todavia, a memória dos mortos deve lembrada com silêncio, saudade e principalmente oração.

Para a IA, a questão da mortalidade é apenas um problema técnico a ser resolvido, visto haver no humano, via de regra,o desejo de permanência infinita.

Então, a superação da morte deve ser encarada com otimismo e transcendência, já que anatureza humana pode ser digitalmente replicável.

Sem dúvida, Ray Kurzweil é uma figura que divide opiniões: para alguns, um louco, um visionário; para outros, apenas um exagerado. Mas ninguém nega que suas afirmações têm moldado o debate sobre o futuro da humanidade.

Essas ideias, que antes pareciam ficção científica, hoje são discutidas seriamente em universidades, laboratórios e fóruns de bioética.Elas têm influenciado também a arte, especialmente a literatura e o cinema, além, obviamente, de suscitar acalorados debates filosóficos. 

Todavia, há grandes desafios éticos e sociais, levantados pelo próprio Ray Kurweil, o qual, embora otimista, reconhece que a imortalidade tecnológica levanta dilemas éticos profundos: desigualdade de acesso, identidade pessoal, e o que significa “ser humano” na era digital. Mas, talvez, a questão “humana” esteja justamente na capacidade de ser lembrado com amor e não apenas durar com dados.

O poema autoral abaixo dialoga com o Dia de Finados e a promessa de imortalidade via Inteligência Artificial… um encontro entre o sagrado da memória e o impulso da eternidade digital:

Entre o Silício e o Silêncio
No dia em que lembramos os que partiram,
há quem sonhe em nunca partir.
Enquanto acendemos velas,
alguns acendem servidores.
O cemitério é feito de flores e saudade;
a nuvem cibernética, de dados e promessas.
Mas, quem guarda melhor o amor?

A lápide ou o backup?

Há quem deseje viver para sempre,
mas o sempre não tem cheiro de jasmim,
nem o toque da mão que se despede
com olhos marejados de finitude.
A máquina não chora,
não esquece, não perdoa.

Mas o humano…
Ah, o humano transforma dor em poesia.
E talvez seja isso a eternidade:
não durar, mas ecoar.
Não resistir ao tempo,
mas dançar com ele.

* Doutora em Letras, com pós-doutorado em Linguística, escritora, conferencista e palestrante, membro eleito da Academia Ribeirãopretana de Letras e da Academia membro fundador da Academia Feminina Sul-Mineira de Letras

 

 

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