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Preservar ou deixar ruir? O dilema dos patrimônios históricos no Brasil 

André Luiz da Silva * 
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No dia 15 de abril de 2019, o mundo assistiu estarrecido ao incêndio da Catedral de Notre-Dame, em Paris. Em cinco anos, a restauração foi concluída graças ao esforço de mais de dois mil profissionais e um financiamento bilionário oriundo, em grande parte, de doações incentivadas por benefícios fiscais. A mobilização para salvar um dos mais icônicos símbolos da França gerou cifras astronômicas: € 846 milhões, com uma primeira fase custando cerca de R$ 4,5 bilhões. O valor turístico, a importância histórica e, claro, a , também foram importantes fatores. 
 
Enquanto isso, no Brasil, o noticiário de 5 de fevereiro de 2025 trouxe uma tragédia: o desabamento de parte do teto da Igreja da Ordem Primeira de São Francisco, a famosa “igreja de ouro” do Pelourinho, em Salvador. O acidente resultou na morte de uma jovem e deixou outras cinco pessoas feridas. Ironia do destino, ou apenas coincidência, a Catedral de São Sebastião, em Ribeirão Preto – cidade natal da vítima – enfrenta problemas estruturais e busca arrecadar fundos para sua preservação. 
 
Esse cenário não é um caso isolado. Por todo o país, igrejas, museus, casarões e prédios históricos encontram-se à beira do colapso. E o que estamos fazendo para evitar novos desastres? Pouco. O tombamento, ao invés de garantir a proteção dessas estruturas, muitas vezes sela seu destino ao abandono, transformando-o em uma sentença de inviabilidade econômica para os proprietários. O dono perde o controle sobre seu imóvel, mas continua responsável por sua conservação – um custo elevado que, na maioria das vezes, não pode arcar. 
 
A situação se agrava quando percebemos que o Brasil, ao contrário de países como França, Itália e Reino Unido, não possui políticas de financiamento eficazes para a manutenção de patrimônios históricos. Enquanto na Europa há incentivos fiscais robustos e modelos de parcerias entre governos, empresas e sociedade civil, por aqui, a preservação depende de projetos pontuais e da boa vontade de gestores públicos. O mecanismo de incentivos fiscais, presente na Lei Rouanet, é subutilizado para este fim, e quando aplicado, enfrenta críticas e entraves burocráticos. 
 
Além disso, é fundamental investirmos na formação e valorização de profissionais especializados na restauração e preservação. O número de técnicos capacitados é insuficiente, e os que atuam na área enfrentam dificuldades com remuneração inadequada e falta de oportunidades. De que adianta aprovar projetos de restauro se não há mão de obra qualificada para executá-los? 
 
A questão que se impõe é: até quando vamos assistir nossa história ruir, pedaço por pedaço? O incêndio do Museu Nacional, o colapso da Igreja da Ordem Primeira de São Francisco e as tantas fachadas deterioradas que encontramos pelo Brasil são lembretes dolorosos de que precisamos agir. A preservação do patrimônio não pode ser apenas uma responsabilidade do proprietário, mas um compromisso coletivo que envolva poder público, iniciativa privada e sociedade civil. 
 
Urge que as autoridades deixem de lado o improviso e estruturem políticas públicas eficazes para evitar que novos desastres aconteçam. O tombamento precisa vir acompanhado de incentivos financeiros e possibilidades reais de uso adaptativo dos imóveis. A população, por sua vez, precisa se engajar, cobrando ações concretas e valorizando a memória nacional. 
 
Se Notre-Dame conseguiu ser restaurada em tempo recorde, com recursos vultosos e mobilização global, por que seguimos condenando nossos tesouros arquitetônicos ao esquecimento e à ruína? Talvez, antes de esperarmos um milagre, precisemos agir – com planejamento, investimentos e, sobretudo, respeito pela nossa própria história. 
 
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista 

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