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Ritmos e origens de Marcelo Jeneci

Por Guilherme Sobota
Foram seis anos de espera, mas ela acabou: nesta segunda-feira, 22, o cantor, compositor e músico Marcelo Jeneci lançou o terceiro álbum de sua carreira, Guaia, e deu mais um passo na consolidação de sua trajetória como voz instigante da música contemporânea nacional. Com um time de parceiros que inclui Arnaldo Antunes, Chico César e José Miguel Wisnik, a produção apurada de Pedro Bernardes e Lux Ferreira e a mixagem de Mario Caldato, o disco tem nove faixas que viajam entre ritmos nordestinos e texturas eletrônicas e que, segundo o músico, exploram uma reconexão com suas próprias origens.

Os primeiros shows já estão marcados: 2 de agosto no Sesc Palladium, em Belo Horizonte; 3 e 4 de agosto, no Sesc Pompeia, em São Paulo, e 13 de setembro no Sesc Sorocaba.

Desde De Graça (2013) – disco que lhe rendeu o prêmio de melhor compositor da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e teve uma indicação para o Grammy Latino -, Jeneci se mudou da zona oeste de São Paulo para o Rio, no Alto da Boa Vista, próximo à Floresta da Tijuca, onde vive, casado. Ele nasceu, porém, em Guaianases, na zona leste da capital paulista – de onde vem o título do novo álbum.

“Mudei para o Rio e isso foi um fenômeno na minha vida, porque saí do urbano e fui para o meio da Floresta da Tijuca”, conta, reflexivo, numa entrevista em um apartamento alugado temporariamente no Copan, em São Paulo, para o processo de divulgação do novo trabalho. “Ali, fiquei bastante isolado e o tempo todo sendo colocado frente a frente com a densidade da minha própria natureza. No começo, estranhei, porque achei que com aquelas paisagens e mirantes eu pegaria meu violão e sairia compondo. Mas foi o contrário. Fui me desabitando para uma transformação, que é o grande assunto de Aí Sim (a primeira faixa divulgada). Cheguei lá já precisando começar a construir um novo disco, mas não encontrei um ponto de equilíbrio. Foi um processo que tive de entender e respeitar.”

Pouco a pouco, porém, o músico observou as mudanças na música contemporânea em geral e suas canções foram ganhando corpo. “A expressão muda com o tempo, daqui a pouco já são outras buscas estéticas que estão no ar. Fui vendo de longe e fiquei lá com meu piano na sala, me devolvendo pouco a pouco para mim mesmo, naturalmente. Nada disso foi pensado, mas foi vivido de maneira muito profunda.”

Na intenção de “traduzir sua história em um novo território sônico”, Jeneci convocou o produtor e músico Pedro Bernardes – à dupla se juntou mais tarde Lux Ferreira, também produtor. O trio ergueu o disco a partir de bases sonoras diversas que construíram um caminho particular, e Jeneci compara o processo a adubar e regar uma muda, e então passar a cuidar dela. 

“A minha preocupação está em ter força sonora”, explica. “Prezo muito pela excelência. Não digo que a alcanço, mas olho muito para ela. Aprendi muito nesse disco: lidar com o desconhecido na hora da criação, e não só com a arte de controlar a arte. Porque fazer música, até certa medida, tem a ver com fazer um produto. É o que aconteceu no show biz. Mas aprendi muito com o Pedro a não se colocar à frente da coisa toda, num sentido filosófico. Comecei a criar menos expectativa da resposta do mundo, e dar mais energia para minha entrega, minha presença, e com ajuda de outras pessoas, lançar o trabalho.”

Ele conta como o processo do trio – diferentemente do que seria com uma banda no estúdio, por exemplo – apresentou resultados inusitados, como na faixa Redenção, que une “canto gregoriano, bateria de frevo e guitarra Enio Morricone”, nas suas palavras. “Não daria tempo de fazer isso se fosse apenas com um dia e com banda. Porque é processual. E isso brota, e aí você não pensa em mais nada, a não ser fazer aquilo vingar no seu território potente.”

A primeira faixa do disco, porém, partiu de uma necessidade particular de falar sobre o planeta. Os primeiros sons que se ouvem em Emergencial são as notas suaves de um canto indígena – executado pela cantora Ikashawhu, da tribo iauanauá. “A narrativa da minha canção é como se fosse o planeta Terra em primeira pessoa”, explica Jeneci. “Mas questionei: qual é a voz do planeta além da natureza? São os índios, os guardiães do mundo. E mais do que isso: um canto feminino. Os iauanauás têm um canto suave. A ideia era que viesse um sopro de uma voz feminina. Ela canta ali sobre uma arara vermelha que teve sua terra usurpada e não pode voltar.”

É o “abre caminho” do disco – que ainda explora sons do baião, do frevo, das bandas de pífanos de Caruaru sem esquecer dos contornos pop. Um disco, enfim, de Marcelo Jeneci.

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