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20 de abril de 2024 | 0:31
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Retórica das emoções e política

O Brasil já não se surpreende com as ações e as palavras quase sempre avessas ao bom senso, que vêm do presidente Bolsonaro, de seus familiares e de sua equipe de governo. Mas não só! Antes deles, os presi­dentes Dilma e Temer também nos brindavam com suas versões muito peculiares da realidade.

É possível que apenas mais tarde venhamos a entender o que real­mente está em jogo, a quem serve este processo de destruição e desprezo pela verdade, e o modo como dinheiro, tecnologia e retórica se combinam para manipular as emoções das pessoas para fazê-las defender teorias e políticas que não resistem a qualquer crítica racional, técnico-científica, tornando-se mentiras aparentemente impossíveis de desmascarar…

Sabemos que isso não acontece apenas no Brasil. Mas em poucos lugares este processo leva tão rapidamente à destruição das instituições comprometidas com a verdade, como a escola, a universidade, a ciência, a imprensa, o processo judicial e os tribunais.

Assim como ocorreu na eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, e no Brexit britânico, a onda política no Brasil é um fe­nômeno em que pouco importa haver comprovações científicas a evidenciar a falsidade ou a contradição lógica dos discursos do político. Suas falas não estão voltadas para a razão das pessoas, mas sim para as suas emoções.
São casos que revelam uma estratégia comum para obter apoio de parte da população (seja para vencer as eleições, seja para governar): pouco importam as razões, a razão – basta atiçar as emoções e desacre­ditar quem se esforça por argumentar com a razão.

A retórica é uma ciência prática que estuda este problema há muito tempo. Aristóteles explicava que há três ferramentas diferentes para persuadir alguém. Alguns argumentos são voltados para a razão; outros convencem porque conquistam a emoção do ouvinte; outros convencem em razão da credibilidade do falante.

Estas técnicas de persuasão podem funcionar em conjunto ou sepa­radamente, e não há dúvida de que a mais eficaz delas é a argumentação “patética”, aquela que convence por meio das emoções.

As emoções são poderosas porque elas transformam a percepção da realidade. Qualquer um de nós, quando está influenciado pelo medo, pelo ódio ou pelo amor, vê e ouve coisas diferentes das que realmente acontecem – ficamos cegos para coisas que estão diante de nossos olhos, ou vemos o que não existe.

Não se trata de uma novidade. Nós, no mundo do Direito, estamos acostumados a lidar com a força da manipulação das emoções. Viven­ciamos isto também na propaganda de marcas e produtos, na política dominada pelos marqueteiros, em alguns discursos religiosos e em nossos debates do dia-a-dia. A retórica está em toda parte – explicava Aristóteles – e, por isso, também o apelo às emoções.

Quem domina a retórica manipula as emoções das pessoas para fazer com que elas vejam o que o manipulador deseja que vejam. Toma­mos as decisões que ele quer que tomemos. O medo e o ódio fazem-nos acreditar que há sempre um bandido atrás da porta – induzindo-nos, por exemplo, a comprar uma arma para autodefesa. De que adiantam os dados científicos a mostrar que a liberação das armas aumenta a violên­cia e a criminalidade? Pouco, ou nada. O medo e o ódio fecham nossos ouvidos à razão. A emoção decide e determina a ação.

Alguém que toma decisões fundadas exclusivamente na emoção age como um animal irracional, escravo sempre do medo, da fúria, do cio ou da fome. O que caracteriza o ser humano é exatamente a combinação de emoção e razão em nossas decisões.

Mas há sempre um potencial diálogo entre a razão e a emoção em toda deliberação humana. É exatamente este diálogo que se busca desequilibrar ao atiçar as emoções e ao destruir as instituições representativas do debate racional. Enchendo o povo de ódio contra jornalistas, professores, juristas, cientistas e estudantes, mantém-se o terreno fértil para que as pessoas deci­dam de acordo com paixões habilmente manipuladas pelos outros.

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