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Sobre o valor e o preço das coisas 

Perci Guzzo *
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Ultimamente enquanto lavo meu rosto e escovo meus dentes, penso no que tem mais valor: se o sabonete e o creme dental ou a água que escorre da torneira. Os dois primeiros são produtos adquiridos no mercado ou na farmácia e passam por processos industriais pensados por humanos e executados por máquinas também pensadas por nós. A água que jorra da torneira, embora também seja um produto precificado, é um bem natural pouco ou nada transformado a partir da ação humana. O fato é que esbanjamos a água, mas não fazemos o mesmo com o sabonete e o creme dental.

Nada mais valioso do que a água, sobretudo, quando ela nos falta. O valor do diamante e do ouro são convenções humanas. Se um dia decidirmos que tais pedras não valem mais nada, assim será. Já a eletricidade e o combustível, não. A energia que faz movimentar máquinas e veículos são essenciais para as atividades humanas, considerando a maneira como funcionamos atualmente. Se faltar sabonete, pasta de dente, diamante e ouro, as dificuldades terão uma ordem de grandeza bem menor.

O fato é que estamos reféns do consumo exagerado, independentemente da real necessidade dos produtos e serviços. Totalmente colonizados pela ideia de adquirir coisas novas. Como bem diz David Kopenawa, xamã e líder indígena Yanomami, somos o “povo da mercadoria”. Até nossa agenda é pautada pelo consumo. Estamos passivamente sentados na roda gigante da economia que nos leva, em círculos, para cima e para baixo. Brincadeira gostosa, mas de custo e risco altíssimos.

Somos produto de uma cultura prepotente advinda da Revolução Científica dos séculos XVI e XVII. O controle e a transformação da natureza ainda é uma obsessão humana e o fazemos a partir de nossos “vastos” conhecimentos científicos especializados. A natureza está aí para ser usada e sempre que possível, subjugada. Assim, mal conseguimos enxergar que só existe sabonete porque há disponibilidade natural de óleos vegetais, gorduras animais, minerais e fragrância de flores. E o ouro, bruto ou lapidado, é uma dádiva dos subsolos.

Qual o preço que as abelhas, vespas, borboletas, pássaros e morcegos cobram para polinizar as flores do seu jardim?

Leonel Brizola, importante líder da esquerda brasileira e latino-americana, disse certa vez: “cara é a ignorância; essa é cara, mesmo!”. Ele que defendia, permanentemente, investimentos maiores para o setor da educação.

Ignorância travestida de poder e ganância é o que não falta em nosso país. Para citar apenas três exemplos: os custos do governo Jair Bolsonaro com suas decisões equivocadas e maldosas, cujas consequências negativas são colhidas até os dias de hoje; o vultuoso custo de muitos legisladores fisiológicos e incapacitados para o exercício da função, eleitos e reeleitos, para as câmaras, assembleias legislativas e senado; e os supersalários de 0,3% dos funcionários públicos nas três esferas de poder.

É obvio que vivemos templos conflituosos, não seria diferente, já que interesses privados se sobrepõem aos públicos o tempo todo. O neoliberalismo põe a perder as democracias, as repúblicas, a diplomacia, a vida, o Planeta, jogando-nos em um limbo político jamais imaginado. Essa voracidade pela acumulação de coisas e poder não se sustenta em um mundo finito e interdependente.

Costumo dizer que é melhor ter saúde do que plano de saúde. Portanto, não perca a cabeça nesta Black Friday. Somos capazes de ilusões mais nobres.

* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições 

 

 

 

 

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