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Terapias do amanhã: quando o plano de saúde precisa dizer sim


Rodrigo Gasparini Franco *


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A cada nova autorização da Anvisa, pacientes com doenças graves vislumbram alternativas antes inexistentes. O avanço regulatório, porém, reacende um debate que já não cabe simplificações: quando um medicamento recém-registrado deve ser custeado pelos planos de saúde?

A resposta repousa em um mosaico jurídico que combina a Lei dos Planos de Saúde, decisões do STJ e STF, resoluções da ANS e a medicina baseada em evidências.

O ponto de partida é objetivo: o registro sanitário na Anvisa atesta segurança, eficácia e qualidade, e retira o caráter experimental do fármaco.

A jurisprudência do STJ tem reafirmado que, havendo registro na Anvisa, a negativa de cobertura é, em regra, abusiva, inclusive quando a prescrição é off-label, desde que amparada tecnicamente e analisada caso a caso. 

Em 2023, a Quarta Turma concluiu que plano não pode negar custeio de medicamento registrado, mesmo fora da bula, reforçando que o rol da ANS não esgota as possibilidades de cobertura quando critérios técnicos estejam presentes.

A virada legislativa de 2022 também pesa: a Lei 14.454 tornou o rol referência básica, abrindo espaço à cobertura excepcional com comprovação de eficácia e critérios objetivos.

O Supremo, por sua vez, consolidou parâmetros para autorizar tratamentos fora do rol que ajudam a calibrar decisões e condutas: prescrição por profissional habilitado; inexistência de alternativa terapêutica já contemplada; comprovação de eficácia e segurança; inexistência de negativa expressa ou pendência de atualização do rol; e registro na Anvisa. Esses requisitos devem ser aferidos cumulativamente, orientando magistrados e operadoras na ponderação entre o direito individual e a sustentabilidade do sistema.

No plano infralegal, a RN 465/2021 estruturou o rol e as Diretrizes de Utilização (DUTs), bem como reconheceu o conceito de uso off-label e a obrigatoriedade, em certas hipóteses, de coberturas associadas ao procedimento indicado pelo médico, observados os critérios técnicos e a regularização perante a Anvisa. Quando há posterior inclusão de um medicamento no rol durante um processo, o STJ já assentou que a operadora deve custear a partir da data da inclusão, o que também organiza a temporalidade das obrigações.

Há, ainda, balizas negativas: o Tema 990 do STJ firmou que operadoras não são obrigadas a fornecer medicamentos sem registro na Anvisa, justamente porque o filtro sanitário é condição regulatória mínima. Mesmo assim, a casuística mostra distinções em doenças raras e cenários de ausência de substituto terapêutico, sob a égide da Lei 14.454/2022 e do exame da evidência científica, o que reforça a análise individualizada e prudente de cada quadro clínico.

O descompasso temporal entre o ritmo da inovação e o ciclo de atualização do rol impõe um dilema recorrente. Em oncologia, por exemplo, anticorpos conjugados e inibidores de tirosina quinase têm mudado desfechos clínicos, mas a lista mínima da ANS não captura, de imediato, cada avanço. Daí a importância dos critérios técnicos fixados pelos tribunais superiores, que funcionam como válvula de segurança para o acesso responsável.

Ao mesmo tempo, os planos invocam previsibilidade atuarial e o risco de inflação médica. Entre o paciente que não pode esperar e o sistema que precisa perdurar, o Direito tem buscado um ponto de equilíbrio: registro na Anvisa, evidência robusta, ausência de alternativa disponível no rol e prescrição fundada.

A tendência, portanto, não é a de que todo “novo aprovado” gere cobertura automática, nem de que o rol feche a porta para terapias emergentes.

É a de uma via probatória exigente e transparente, na qual o registro sanitário é porta de entrada; a prescrição, um indício qualificado; a evidência, o coração da decisão; e a sustentabilidade, o limite prudencial. Em comum, a premissa de que negar, sem razão técnica, o acesso a medicamentos regularizados subverte a função de proteção que se espera de um contrato de assistência. Em saúde, o tempo não é neutro: a decisão de hoje molda a sobrevida de amanhã.

* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

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