Supremo Tribunal Federal abriu julgamento para decidir se empresas de economia mista podem autuar motoristas infratores
O futuro das multas aplicadas pela Empresa de Trânsito e Transporte Urbano de Ribeirão Preto (Transerp) será decidido até 23 de outubro no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros da Corte Suprema iniciaram o julgamento nesta sexta-feira (16).
A ação envolve empresas de economia mista que têm o poder público municipal como principal acionista, como é o caso da companhia e também da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), foco principal do julgamento que teve início ontem.
Pelo fato de a Transerp ser uma empresa com regime jurídico e atribuições semelhantes as da capital mineira, a decisão do STF terá repercussão geral, criará jurisprudência e servirá de base para permitir ou proibir essas companhias de continuarem a autuar motoristas infratores.
No caso da empresa de trânsito de Belo Horizonte, o julgamento diz respeito a um recurso da BHTrans contra decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que empresa de economia mista pode fiscalizar o trânsito, mas não pode aplicar multas.
Os ministros entenderam que atividades de consentimento, como emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de fiscalização podem ser delegadas. Porém, atividades de legislação e sanção não são delegáveis porque derivam da competência de coerção do poder de polícia.
Em outubro de 2017, a mesma Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça negou recurso que pedia a proibição da Transerp de aplicar multas de trânsito em Ribeirão Preto. Seguindo o voto do ministro relator Herman Benjamin, o STJ manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), que, em 2015, considerou legal a prerrogativa da companhia de aplicar multas e fiscalizar o trânsito.
Na época, o voto do ministro Herman Benjamin reconheceu que o STJ não tinha competência para julgar o recurso, e sim o Supremo Tribunal Federal, por se tratar de um dispositivo constitucional. Todavia, o relator do processo salientou que as multas não são a principal fonte de renda da Transerp, como já foi definido anteriormente no TJ/SP.
“A Transerp é empresa da administração indireta controlada pelo Município de Ribeirão Preto, não exploradora de atividade econômica, integra o Sistema Nacional de Trânsito e, por isso, pode exercer a fiscalização e autuação do trânsito no âmbito deste Município […]”, publicou no voto.
Em Ribeirão Preto, várias ações individuais já foram impetradas, além de uma coletiva movida pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), por meio do promotor da Cidadania, Sebastião Sérgio da Silveira. Se o STF decidir pelo fim da aplicação das multas pela BHTrans, a decisão terá repercussão geral.
Ou seja, atingirá todas as empresas semelhantes existentes no país, como é o caso da Transerp. Na Câmara de Ribeirão Preto já existe um projeto de lei pronto à espera da decisão do STF. Se a Corte Suprema proibir a companhia de aplicar multas, será protocolado para, a partir da decisão, vetar as autuações.
Outra proposta já protocolada na Câmara de Vereadores prevê a transformação da Transerp em Secretaria Municipal de Transporte e Trânsito, mas o trâmite é complicado. As autuações feitas pela Polícia Militar não serão afetadas e continuarão valendo.
O STF também deve decidir sobre a anulação ou não das multas já aplicadas. A companhia corre o risco de ter de ressarcir os autuados. O valor seria referente aos cinco últimos anos. Porém, para evitar o desequilíbrio financeiro da prefeitura, que teria de socorrer a Transerp, a retroatividade deve ser descartada.
Multas aplicadas pela companhia
Entre março e julho, período mais crítico da pandemia, a Empresa de Trânsito e Transporte Urbano de Ribeirão Preto (Transerp) aplicou 33.689 multas na cidade. A média de autuações por agentes da companhia e radares fixos e móveis em 125 dias foi de 269 a cada 24 horas, cerca de uma a cada cinco minutos.
A Transerp não soube informar o valor que as autuações poderiam gerar porque não foram cobradas. Desde o começo da pandemia de coronavirus, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) suspendeu – em todo o país – a cobrança.
No mesmo período do ano passado – 19 de março a 22 de julho – foram 54.991 autuações que resultaram em uma arrecadação de R$ 10.504.466,77. Ou seja, em 2020 houve uma queda de 38,7% no número de infrações, ou 21.302 a menos.
A quantidade de multas aplicadas em Ribeirão Preto aumentou 9,57% no ano passado em comparação com 2018. O número de infrações saltou de 153.852 para 168.577, com 14.735 a mais. Foram mais de 14 mil autuações por mês, cerca de 468 por dia, quase 20 por hora (19,5) – no período anterior as médias ficaram bem abaixo (a mensal foi de 12.821, a diária de 427 e a horária, de 17).
A prefeitura de Ribeirão Preto possui três radares móveis estáticos de fiscalização eletrônica – são usados em 15 avenidas da cidade – e um fixo, instalado na avenida Doutor Celso Carulli, na Zona Leste. As cinco avenidas onde o motorista mais cometeu infrações em 2019 foram a Marechal Costa Silva (Zona Norte), Presidente Vargas (Zona Sul), Maurílio Biagi (Zona Leste) Luiz Galvão Cezar (Zona Oeste/Norte) e Costábile Romano (Zona Leste).
A Transerp atua em cinco áreas: transporte público, trânsito, área azul, pátio de veículos e administração geral. As quatro primeiras atividades recebem verbas ligadas à sua operação, que são taxa de gerenciamento do contrato de transporte público, multas e taxas de trânsito, venda do cartão de área azul e remoção e estadia de veículos ao pátio de guarda.
Estas receitas foram cedidas ou repassadas à empresa municipal pela prefeitura para que o sistema ficasse ficado equilibrado e mesmo superavitário nos três últimos anos. Já a taxa de gerenciamento do contrato de transporte público está na Justiça e, por isso, não está sendo paga pelo Consórcio PróUrbano. O valor atual acumulado é de aproximadamente cerca de R$ 8 milhões.