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‘Vermelho Sol’ expõe crimes da ditadura argentina

Por Luiz Carlos Merten

Em sucessivas entrevistas para divulgar seu longa Vermelho Sol – que estreou nesta quinta, 8, nos cinemas brasileiros, integrando o Projeto Vitrine -, o diretor Benjamin Naishtat tem feito saber que está muito curioso para ver qual será a reação do público num país como o nosso. Vermelho Sol aborda a herança da ditadura militar argentina, especialmente os duros anos 1970. Com fotografia de Pedro Sotero – de Aquarius, de Kleber Mendonça Filho -, passa-se numa cidade de interior.

Um rico advogado, Claudio, interpretado por Dario Grandinetti, briga com um desconhecido, Diego Cremonesi, num restaurante. A cena é exemplar na criação de um clima de embaraço. O arrogante advogado humilha o jovem, e as pessoas preferem agir como se não estivesse ocorrendo nada. Essa aparente indiferença, melhor seria dizer apatia, tem tudo a ver com o tema do filme. O jovem desaparece e a vida seguiria, se não surgisse um detetive para investigar o caso. Interpretado pelo ator chileno Alfredo Castro – dos filmes de Pablo Larrain -, ele não apenas suspeita do advogado como age para provar seu envolvimento. O choque é inevitável, a própria estabilidade social de Claudio pode ruir.

Filmes como o premiado (com o Oscar) O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella, com Ricardo Darín, e O Sinal, que o próprio Darín codirigiu (com Martin Hodara), recorrem ao filão do noir para criar um clima sombrio, e mais que isso, um universo de traições e subentendidos, onde nada é o que parece ser, e é dessa maneira que os cineastas retratam a Argentina sob a ditadura (Campanella) ou no governo de Juan Perón (Darín). Cinéfilos de carteirinha identificarão reminiscências de Francis Ford Coppola (A Conversação, de 1984) e Sidney Lumet (O Veredicto), e até do Columbo da TV, personagem criado por Peter Falk.

Num filme com esse título, não surpreende que diretor e fotógrafo tenham optado por carregar a imagem de vermelho, num desenho hiper-realista que agradou ao júri do Festival de San Sebastián, no ano passado, do qual o filme saiu com os prêmios de direção, justamente fotografia e melhor ator (para Grandinetti). No Festival do Rio do ano passado, Naishtat, em conversa com o repórter, lembrou o período histórico. “Nunca houve uma real ameaça comunista na Argentina, mas bastou os militares invocarem o fantasma do comunismo para gerar intranquilidade na classe média. Isso criou o ambiente propício para o golpe. O filme aborda essa apatia, e o que houve por trás dela.”

Vermelho Sol é sobre pessoas comuns e o que representa essa normalidade. Para Naishtat, pode ser perigosa. Seu filme é sobre o período prévio ao golpe militar, e o medo da esquerda. Na época do Festival do Rio, em pleno processo eleitoral, o quadro político brasileiro já estava se definindo. “É uma tendência planetária que, na Argentina, levou (Mauricio) Macri ao poder”, avalizou. Seu filme é muito bom, beneficiando-se de pesquisas estéticas da diretora de arte Julieta Dolinsky e do diretor de fotografia (Sotero). Ela recria à perfeição o imaginário de uma cidade de província, em 1975. Ele logra criar um certo anacronismo de linguagem, de cine e TV, para jogar o espectador no tempo próprio em que a história é contada. Parte da ação desenrola-se nos arredores da cidade, no descampado em que o jovem desaparecido pode estar enterrado. Esse sentimento de desolação fornece quase um contraponto ao humor e absurdo que também permeiam o relato. “A Argentina é um país plasmado no absurdo, como prova a literatura de um dos nossos maiores escritores, Roberto Arlt.”

Essa ideia de um absurdo é o forte de Vermelho Sol, que fala sobre a ditadura militar argentina sem falar diretamente sobre ela, mas criando um clima de paranoia. Naishtat propõe o retrato de uma sociedade que assimila mal as transformações técnicas e econômicas que mudaram e seguem mudando a face do capitalismo, produzindo uma frustração que coloca as massas à mercê de um totalitarismo que parece salvador. Nesse quadro, ele introduz aquilo que chama de banalização do mal, invocando Hannah Arendt. Embora seja um ainda jovem diretor – tem 33 anos – seus filmes têm feito o circuito dos festivais. São obras como Bem Perto de Buenos Aires e O Movimento, que têm em comum o rigor e um certo minimalismo.

Nascido em Rosário, Santa Fé, em 1959, Dario Grandinetti vem construindo uma importante carreira no cinema de língua espanhola, na Argentina como na Espanha. Apareceu em grandes filmes de Pedro Almodóvar – Fale com Ela, Julieta – e é protagonista de um episódio do megassucesso Relatos Selvagens. No Brasil, participou de Bodas de Papel, contracenando com Helena Ranaldi no longa dirigido por André Sturm, de 2008.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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