Tribuna Ribeirão
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Carcará

Rui Flávio Chúfalo Guião *
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Caminhando pelo  condomínio onde moro, percebi que ao longe havia um carcará parado no meio da rua. Mantive o passo, mas, colei-me ao muro da casa por onde passava. O carcará permaneceu estático, movendo somente a cabeça, me acompanhando, mas não voou.E assim, passei por ele e pude observar de perto o seu porte majestoso,  seu penacho preto em forma de solidéu e seu bico ameaçador,  um dos mais aduncos das aves de rapina, com sua base revestida por uma membrana avermelhada.

O carcará é um falcão encontrado em toda as Américas, desde os Estados Unidos até a Patagônia, adaptando-se assim às temperaturas glaciais e às  bem quentes. No Brasil, é encontrado em todos os estados, sendo sua presença mais marcante na caatinga nordestina.

Por ser uma ave que permanece longo tempo no chão, destaca-se na paisagem inóspita da região. Mas, sobrevive em todos os biomas, inclusive nas cidades. Seu canto estridente, sua grande envergadura enchem o céu, afugentando os demais pássaros. É uma ave de postura imponente, comportamento versátil, observador, que se adaptou com maestria aos vários ambientes brasileiros.

Embora os índios o considerassem portador de má sorte, não é esta a imagem que ele passa para as populações nordestinas, que o consideram símbolo de força, coragem, resistência e liberdade, representando sua capacidade de enfrentar desafios e perseverar em ambientes hostis.

Devotado a seus filhotes, faz de tudo para alimentá-los, preservando assim a espécie. A fêmea coloca de dois a três ovos, em ninhos preferentemente na baínha de palmeiras,  chocando-os por  30 dias. As crias ali permanecem  por cerca de três meses, mas continuam a serem alimentados pelos pais por mais tempo.

O povo nordestino acredita que o carcará leva nas suas presas gravetos em brasa, que provocam fogo na caatinga.

Nos anos 1960, a canção de João do Vale popularizou a fama do carcará em todo o país. “Carcará pega, mata e come” da música tornou a ave conhecida por todos, realçando sua semelhança com o nordestino, que está constantemente enfrentando dificuldades e sobrevivendo.

Ela foi composta durante o regime militar, driblou a censura e procurou mostrar a resistência do povo brasileiro a tempos sombrios da mesma forma que o carcará em sua constante luta pela sobrevivência.

Interessante notar que o carcará, na maioria das vezes solitário, dá-se bem com o urubu, outra ave exclusiva do continente americano, parente do condor andino, a maior ave de rapina existente.

Enquanto o carcará  tem uma dieta variada, desde carniça, pequenos animais, peixes e principalmente outras aves menores, os urubus alimentam-se exclusivamente de restos em decomposição. Mas, as duas espécies se dão bem, inclusive já se fotografaram carcarás pegando piolhos nas penas do urubu e vice-versa.

O inesperado encontro com a ave majestosa foi um presente para o caminhante da manhã fria de sábado.

* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e secretário-geral da Academia Ribeirãopretana de Letras 

 

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