Artista mineira Naira Pennacchi, hoje residente entre Ribeirão Preto e Lisboa, em Portugal, promove a terceira e última exposição Lições da Pedra
Depois de itinerância por diferentes cidades do interior paulista e um ano repleto de conquistas, a artista mineira Naira Pennacchi, hoje residente entre Ribeirão Preto e Lisboa, em Portugal, promove a terceira e última exposição Lições da Pedra, com curadoria de Mario Gioia.
A mostra ficará em cartaz até 19 de janeiro no Espaço de Arte Eny Aliperti, em Ribeirão Preto, primeiro a acolher uma exposição individual da artista há pouco mais de dez anos. São mais de 30 trabalhos, muitos deles inéditos, com olhares de Nairaennacchi sobre as realidades interioranas e a pesquisa sobre o vernacular em diversos suportes e trabalhos, em sua maior parte inéditos.
A exposição foi aberta em 27 de novembro, quando ocorreu o lançamento do livro homônimo organizado por Mario Gioia. A obra reúne toda a produção da artista até o momento e lança um olhar crítico à década com textos de Ana Avelar e Bianca Coutinho Dias.

O projeto gráfico da publicação é assinado por Luciana Facchini, com edição da WMF Martins Fontes. O ano de 2025 foi muito especial na carreira da artista nascida em Jacutinga, Minas Gerais. Além de ter integrado a exposição coletiva
“A Memória é uma Paisagem Contemplada de um Comboio em Movimento”, na Galeria Izabel Pinheiro, em São Paulo, Naira Pennacchi também apareceu nos estandes da SP-Arte, das galerias que a representam, incluindo também a AM Galeria de Minas Gerais.
Recentemente a artista passou a ser representada pela Galeria Paulo Darzé, na Bahia, espaço reconhecido pela cena artística da região Nordeste e com quatro décadas de existência. Ainda este ano, Naira Pennacchi esteve presente no contexto da ARCO Portugal em uma exposição coletiva com curadoria da reconhecida Cristiana Tejo intitulada “Paisagem Zero”.
Na exposição, obras atravessadas por histórias de migração, desapego, reconstrução e silêncio questionam a ideia da paisagem. A mostra ficou em cartaz por um mês no Now Here, em Lisboa. A multiartista segue, assim, consolidando seu trabalho e a presença de sua arte em diversas das mais importantes coleções brasileiras e ao redor do mundo.
Ela navega por diversas cidades do interior, como Jaú e sua cidade natal, onde possui parentes. “Sou do interior de Minas Gerais e hoje moro na cidade grande, entre Ribeirão Preto e Lisboa, mas retorno para esses lugares pois eles são faíscas que viram chamas para minha criatividade e minha produção artística”, afirma a artista.

Mais recentemente, a artista, passou a investigar o vernacular em novas regiões tanto do Brasil quanto de Portugal, sendo desse trabalho a imersão de 15 dias realizada no Piauí em 2024. Entre a produção em pinturas presentes na exposição, estão as características telas nas quais Naira Pennacchi deposita pigmentos endurecidos, próximos a sua validade, sobre chassis montados com teleiros (elemento muito presente em diversos contextos da vida rural) de modo a quase realizar um ponto-cruz de tinta sobre esses vazios, criando uma tessitura de cores e relevos que agregam elementos pictóricos e abstratos às paisagens que compõem.
A série que dá nome à exposição, Lições da Pedra, foi realizada majoritariamente no Piauí, é inédita e conta com vídeos, objetos, instalações escultóricas e sonoras. O limiar do ritual e da performance, os limites das moradias, todos esses conceitos vão sendo borrados e reconhecidos no trabalho de Naira. “Tudo começou com João Cabral de Melo Neto e a ‘Educação Pela Pedra’. O livro era muito incompreensível para mim, mas eu queria muito ler.
E nesse momento em que estava em retiro artístico no Piauí, em quinze dias eu li três vezes o livro”, diz. “Muitos dos títulos dos trabalhos são trechos ou versos do livro. O Sertão, seja ele de Minas Gerais, do Piauí, ou de Portugal, esse sertão no sentido mais amplo de um interior, é um só”, pondera Pennacchi. Naira segue com a pesquisa sobre os saberes ancestrais no próximo ano e tem projetos para realizar esse levantamento também do lado de lá do oceano
O interesse pelo futuro ancestral vem desde criança. “Tinha sede em participar e rever as tradições e saberes populares que já não se encontram mais no interior de Minas Gerais, mais precisamente em minha cidade natal, Jacutinga. A cartografia desse meu interesse foi despertada pela convivência com meus pais, avós e comunidade local, rural e urbana de onde nasci e cresci”, diz.
Naira é neta de bordadeira, de onde herda as artes têxteis que integram elementos de seus trabalhos, e teve contato ainda na infância com as obras do pintor, o desenhista, pintor, muralista e ceramista ítalo-brasileiro Fulvio Pennacchi, que foi integrante do Grupo Santa Helena, juntamente com Alfredo Volpi, Francisco Rebolo, Aldo Bonadei. Rituais como benzimento praticado por Dona Merô, anfitriã da artista no Piauí e uma das poucas benzedeiras vivas, muito solicitada na região; ceramistas de barro que transformam matéria bruta em obras de arte enquanto contam histórias e preservam memórias; casas de farinha nas quais a mandioca vira alimento imediatamente comestível.
É no trabalho repetitivo e conectado ao ancestral que a artista constata que moram também percursos que guardam estratégias de preservação ambiental – e que reverberam nos vídeos que integram a exposição, todos eles feitos no Piaui.
Naira participou de muitos destes trabalhos-rituais, como o de benzimento, minutos a fio recebendo orações por sua poderosa palavra através de gestos e instrumentos e os transformou em sua arte. “O corpo enquanto território das experiências cotidianas tece nas culturas das sociedades um repertório em constante construção”, aponta a artista.
“Todas estas atividades são praticadas por mulheres, mestras detentoras de sabedorias ancestrais geradas em ventres, terras, águas, fogos e céus”, conclui. Das inúmeras obras produzidas, estarão presentes na exposição que passou por Itu e Botucatu os vídeos Faca Amolada, Mulher Vestida de Gaiola e Basalto.

